quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

A todos um ótimo 2015.



Te recebemos de braços abertos!

Seja bem-vindo ano 2015!


A cada 365 dias repetimos os mesmos rituais. Preparamos uma ceia especial, bebidas variadas, muitos compram roupas novas e especiais, compilam listas de propósitos a serem postos em prática no novo ano que está se avizinhando. Fazemos a contagem regressiva esperando o momento exato do término de um ano e após um segundo, estmos no novo ano. Em um instante estamos no ano velho. Um mísero segundo depois, estamos no novo ano. 

Enviamos mensagens de Feliz Ano novo aos amigos, parentes, colegas e vizinhos. Hoje, com o advento das redes sociais, usamos esses meios para enviar  nossas mensagens para os quatro cantos do país e por que não dizer, do mundo. Raramente o espaço que circunda o globo é percorrido por tamanha quantidade de ondas eletromagnéticas, transportando as mais diversas mensagens, imagens recentemente colhidas. Tudo isso é ótimo, porém, há certo exagero se pensamos que a simples troca de um algarismo nas datas que iremos apor aos nossos documentos a partir desse momento, irá fazer grande diferença. Essa troca simplesmente é um fato cronológico indicador da passagem inexorável do tempo. Tempo esse que por vezes não aproveitamos na devida forma. Esquecemos de fazer nossa parte, de com nossa parcela na construção de um mundo melhor e mais humano. Somos muito rápidos em lançar às costas de outros personagens o ônus pelo insucesso ou fracasso de nossas vidas.

Habitualmente encontramos algum "bode" expiatório para arcar com a culpa pelos fatos, por vezes terríveis, catastróficos mesmo que acontecem ao nosso redor e pelo resto do mundo. Muito pouco vemos uma atitude de "mea culpa", onde alguém, reconhecendo sua omissão, sua falta de empenho assumindo a responsabilidade por algo de desagradável que aconteceu. No entanto somos bem mais rápidos em nos apropriarmos dos méritos por algo de bom que tenha acontecido. Gostamos de ficar sob os holofotes da mídia, mesmo quando nossa contribuição foi infima e até mesmo nula. Existindo uma pequena chance de usarmos os fatos positivos em nossa autopromoção, é raro haver alguém que hesite. Nosso  ego é, via de regra, bem maior que a nossa capacidade de assumir as nossas culpas. 

Por isso, costumo sempre acrescentar em minhas mensagens de Feliz Ano Novo, os seguintes dizeres: Que sejamos todos capazes de fazer nossa parte, dar nossa contribuição, para que o ano seja realmente melhor. Tenho convicção absoluta de que, se isso acontecer, sem nos importarmos com o que os outros fazem, se todos ficarmos atentos aos nossos atos e cumprirmor nossa tarefa, ao final do ano, no próximo 31 de dezembro, estaremos comemorando a despedida de um ano que ficará na história. Um ano que terá valido a pena viver. Não quero dizer que tudo terá sido resolvido. Isso é utopia, pois a cada solução implementada, novas carências, novas necessidades irão aparecer e novos propósitos serão feitos. Essa é a dinâmica da humanidade. Não podemos deixar de fazer nossa cota, sob a justificativa de que os outros também não fazem a sua, portanto não adiantará nada. De fato, se todos pensarmos assim, iremos caminhar de marcha a ré, em lugar de progredir. 

Vamos fazer individualmente um exame em nossas ações durante 2014 que está prestes a expirar em nosso fuso horário (há lugares em que nesse momento já é 2015). O que passou, passou e não há como desfazer o passado. Façamos o propósito sincero de mudar algumas coisas, por pequenas que sejam, em nossas atitudes, nosso comportamento, e chegaremos no próximo Revelion com a alma mais leve, a satisfação do dever cumprido e com ânimo para iniciar um outro ano, igualmente produtivo, cheio de realizações e conquistas. 

Deixo aqui a todos os leitores, amigos, seguidores, um Próspero e feliz ano de 2015. Muita saúde, paz, amor e fraternidade. 

Décio Adams

Um japonês especialista em cachaça - Capítulo XI



Paróquia São Pedro Apóstolo, Moóca - SP


11. Cresce popularidade do Bar.


            O funcionamento simultâneo do bar junto com o restaurante, além das mesas de jogos, tudo muito bem organizado e limpo, fez crescer a popularidade do estabelecimento de Manoel. As fotos tiradas durante a inauguração ficaram boas e teve dificuldade em escolher algumas para tirar mais cópias. Para isso teve a ajuda de Eduarda e também de Francisco. Levou as escolhidas com os negativos ao laboratório e em três dias estavam prontas. Pode escrever no verso de cada uma algumas palavras, além de uma carta à família. Colocou tudo em um envelope reforçado e foi colocar no correio.

            Devido ao peso o preço foi um pouco salgado, e ainda o envio registrado contribuiu para isso. Queria que não ocorresse risco de extravio, pois as fotos eram importantes. Os documentos para o casamento haviam sido encaminhados estando tudo dentro do previsto. A data foi escolhida e marcada a hora. Por disponibilidade de horários escolheram o dia 08 de janeiro. Teriam preferido uma data no começo de dezembro, mas era muito próximo e não havia como encaixar o dia, nem horário. Era bom dessa forma. Teriam alguns dias a mais para providenciar tudo com mais calma. O mês de janeiro, devido ao período de férias, era, segundo falou Francisco, menos movimentado e poderiam usufruir de alguns dias para viajar em Lua de Mel. Faltava escolher o local para essa viagem.

            Ir para casa de parentes nem pensar. Era um momento exclusivamente deles. Queriam estar a vontade para se dedicar sem reservas um ao outro, se descobrir, se saborear e assim estabelecer um vínculo que esperavam fosse eterno. A época era de muitos desquites, falava-se em legalização do divórcio, mas nem Eduarda, tampouco Manoel pensavam nessa hipótese. Os dois não estavam exatamente em idade de fazer loucuras. Ela tinha completado 28 anos e ele beirava os 50. Estavam maduros para um relacionamento duradouro. Pretendiam ter filhos, mas com moderação, pois os tempos não estavam para colocá-los no mundo apenas pelo prazer de dizer: meu filho. Era necessário cuidar de alimentação, vestuário, educação e garantir um futuro mais promissor.

            Junto com a popularidade, vieram fregueses de outros bairros, mesmo viajantes que passavam a passeio ou a trabalho, passavam horas de lazer à noite ali. Assim ficou sendo um ponto de encontro de pessoas de diferentes procedências e atividades de trabalho. Uma verdadeira salada de profissões, cores, origens e idades. Havia quem viajasse pelo nordeste, pelo centro oeste, pelo sul, sudeste e norte. Em cada lugar que visitavam era possível identificar alguma coisa de típico. As conversas geraram amizades, trocas de informações e até negócios de certa monta começaram a ser combinados ali, durante uma partida de sinuca, futebol de botão, ou diante de um copo de cerveja com salgadinhos.

            Depois de percorrer as diferentes regiões, alguns apareceram e deram a Manoel exemplares de garrafas com cachaças típicas das mais diferentes regiões. Em pouco tempo tinha uma grande variedade. Inicialmente ele as havia colocado em exposição, mas com o aumento do seu número, ameaçavam ocupar o espaço necessário para expor as bebidas que estavam à venda. Como as havia recebido de presente, não tinha intenção de vende-las. Ficariam ali para formar uma coleção. Um cliente sugeriu que mandasse fazer um armário estreito, para colocar junto à parede. Ocuparia pouco espaço vital e deixaria as garrafas expostas para todos verem.

            O casamento estava chegando perto e Manoel decidiu deixar essa decisão para depois da volta da lua de mel. Haviam resolvido passar alguns dias em uma pousada no interior de Minas Gerais. A primeira escolha tinha sido Salvador, Bahia. Quando participaram do curso de preparação para o casamento exigido pelo padre da paróquia, a médica encarregada da palestra sobre cuidados com saúde, fez algumas ponderações. O fato de iniciarem um relacionamento íntimo, especialmente se a noiva ainda fosse virgem, tornava a água salgada desaconselhavel. O rompimento do himen, a fricção dos órgãos genitais durante o ato conjugal, aliados ao sal, poderiam ocasionar irritações. Algo indesejável no momento que estariam iniciando a vida a dois. A profissional foi clara e direta sobre esses assuntos, levando uma porção de casais a mudar seus planos imediatos.

            Uma estadia em uma estância de águas termais, seria bem mais aconchegante e tranquila nesse momento. Foi por isso que escolheram fazer um tour pelo interior de Minas, sem se fixar em um único lugar. Manoel estava bem acostumado a dirigir na estrada e teriam tempo para apreciar cada momento, cada lugar. Seriam os primeiros dias só deles dois. O resto de suas vidas dependeria em grande parte do sucesso ou fracasso desse começo. Escolheram um roteiro, percorrendo a capital Belo Horizonte, Sete Lagoas, Uberlândia, Uberaba e mais alguns lugares. Haveria sempre a possibilidade de mudar o roteiro se alguma coisa assim exigisse.

            Os últimos tempos haviam sido de reforma geral na moradia do andar superior. Muitas vezes Manoel tinha que cuidar para não tropeçar nos materiais que ficavam por ali, para serem usados. A pintura foi toda refeita, assunto em que a future dona da casa foi chamada a dar sua opinião. Depois de feitas as reformas, trataram de adquirir o mobiliário básico. Nem tudo iriam comprar no primeiro momento, em especial os utensílios e mesmo eletro domésticos menores. Os convidados poderiam escolher para lhes dar de presente e ficariam com duplicidade. Isso significaria ser obrigado a trocá-los por outras coisas. Poderiam deixar para completar o que faltasse depois de fazer o balanço final. A paróquia onde o casamento seria realizado, dispunha de amplo salão de festas que era colocado à disposição, por uma pequena taxa, especialmente para a limpeza posterior ao uso.

            Isso deixava a preocupação com o espaço para a festa resolvido. Os convites haviam sido confeccionados e enviados. Manoel não tinha parentes aqui e convidou os antigos colegas de trabalho mais próximos, bem como os irmãos. Apenas o mais velho deles prometeu vir, talvez mais algum membro da família viesse junto. Não tinha certeza. A mãe gostaria muito de vir, mas sua saúde precária não permitia a viagem. Torcia para viver até conhecer o primeiro neto desse seu filho que casava tardiamente. O movimento do bar havia aumentado muito e tinham sido contratados mais um garçom e uma garçonete, bem como uma ajudante de cozinha. A casa vivia cheia de fregueses, em quase todas as horas do dia, menos nos horários de expediente do comércio, quando ocorria um alívio.

            Francisco se encarregaria de controlar as questões financeiras em sua ausência, orientado pelo contador que se comprometeu a vir inspecionar o andamento das coisas no período de ausência do dono. Ele lhe dissera que era preciso delegar alguma coisa. Ninguém consegue cuidar de tudo, sem fazer concessões a alguém. A tentativa de fazer isso levaria a uma situação de cansaço em tão pouco tempo que inviabilizaria a continuidade do trabalho.

            As festas de final de ano Natal, Ano Novo passaram voando e o dia tão esperado chegava cada vez mais perto. Os pais de Eduarda se encarregaram de cuidar dos preparativos, supervisionando tudo no aspecto de alimentos, bebidas e demais detalhes. O vestido de Eduarda estava pronto para experimentar às vésperas do Ano Novo e ela foi fazer a prova para evitar transtornos de última hora. Por sorte a costureira tinha acertado a mão. Apenas pequenos detalhes para ficar em ótimas condições. Manoel encomendara um terno no atelier de um alfaiate que conhecia a muitos anos. Também se encarregou de deixar o noivo em condições de fazer inveja a muitos endinheirados.

            Chegou o dia e às 16 h os noivos, acompanhados dos pais e padrinhos estavam diante do juiz que realizou a cerimônia civil rapidamente. Diante da lei dos homens estavam casados. Faltava agora a benção do sacerdote como representante de Deus para deixar a união de ambos dentro do que preconiza a sociedade. Embora houvesse quem dissesse ser desnecessário tanto papel, eles preferiam seguir os ditames tradicionais. Não custava nada cumprir os ritos e se colocar dentro do que é de costume.

            Depois da cerimônia civil, seguiram novamente para seu domicílios e se prepararam para a cerimônia religiosa. Agora a noiva usaria seu vestido branco, a grinalda e o véu, bem como o bouquet de flores. Quando os relógios marcara 18 h estava Manoel a postos ao lado do altar, rodeado dos padrinhos e seu irmão com a esposa que haviam vindo para a festa. Haviam chegado antes do Ano Novo e aproveitaram para conviver alguns dias, bem como conhecer a nova integrante da família. Logo depois da partida dos noivos para sua viagem, o casal embarcaria de retorno para Portugal.

            A cerimônia foi singela, sem muita ostentação. A igreja fora ornamentada com capricho, mas sem exagero. O fato mais importante iria ocorrer ali diante do altar, não no meio da igreja, ou ao longo do corredor. Após a cerimônia, foi o momento de assinatura dos livro de registros de casamento por noivos, padrinhos pais, irmãos e outras testemunhas, além do padre é claro. A tradicional chuva de arroz aguardava os noivos ao saírem da porta da igreja, onde embarcaram no automóvel e deram volta a quadra, entrando pelo lado oposto para chegarem ao salão de festas. Os convidados haviam passado por uma porta interna para o espaço de festas. Outros tinham ido diretamente do exterior para ali.

            Foram recepcionados com discursos dos padrinhos, um colega de Manoel disse algumas palavras, elogiando a atuação do mesmo enquanto haviam trabalhado juntos. Logo veio a comunicação de o jantar estava servido, esperando os comensais. Como membros da comunidade portuguesa, não poderiam deixar de predominar pratos à base de bacalhau, além de outras iguarias. De bebidas havia vinho e também cerveja, além dos refrigerantes variados. Algumas brincadeiras foram realizadas durante o transcurso da refeição, homenagens foram rendidas aos noivos, poesias foram declamadas, um grupo de canto e viola executou alguns números de músicas típicas, antes de ser cortado e distribuído o bolo de casamento.

            Os noivos se posicionaram adequadamente para que o fotógrafo conseguisse obter uma imagem nítida e clara do momento. O enorme bolo foi sendo cortado depois por mulheres presentes, sendo distribuídos pequenos pratos plásticos com garfinhos também plásticos. A enorme quantidade de talheres que seria necessária, tornava o uso dos metálicos de uso diário, inviável. Dessa forma, uma vez terminado de consumir seu pedaço, deixava-se o prato e garfo sobre a mesa, de onde eram recolhidos e jogados em uma lixeira estrategicamente posicionada. Entre abraços, desejos de felicidade, boa sorte e outros votos, chegou o momento de partirem. Tinham reservado um apartamento em um hotel de São Paulo mesmo, do qual apenas os familiares de Eduarda sabiam o endereço e telefone.

            Na manhã seguinte continuariam a viagem para Minas Gerais onde iniciariam realmente seu passeio e descanso. Realmente partiram cedo, por volta das 7h 30minutos. A estrada estava mediamente movimentada, sendo que o sol começava a elevar a temperatura. Algum tempo depois do almoço alcançaram a divisa entre São Paulo e Minas, de onde ainda iriam percorrer um trecho até chegarem ao primeiro hotel reservado. Haviam planejado ficar ali apenas uma noite e talvez parte do dia seguinte, quando concluiriam o percurso até Belo Horizonte. Assim aconteceu, chegando ao destino perto do anoitecer do segundo dia de casamento. Os próximos 5 dias seriam gastos em conhecer todos os pontos pitorescos da capital mineira e seus arredores.
Rua de Belo Horizonte.

Vista aérea parcial de BH

            Nesse ritmo seguiram por três semanas, percorrendo uma porção de lugares, cada qual mais interessante, todos no interior do estado mineiro. Quando finalmente empreenderam o caminho de retorno, estavam próximos à divisa com o estado de Goiás. Partiram bem cedo pela manhã, pretendendo alcançar São Paulo, encerrando a viagem, até o começo da noite, com alguma folga. Se ocorresse algum imprevisto, poderiam pernoitar no caminho, mas a meta era chegar em casa. Eram quase oito horas da noite do dia 30 de janeiro quando chegaram ao portão de entrada para a garage de sua moradia a partir desse momento. O bar ainda estava em pleno movimento e pouca gente se deu conta de sua chegada.

            Francisco e os auxiliares estavam ocupados demais em atender aos fregueses, para poderem cuidar do movimento no exterior. Dessa forma, ficaram todos surpresos, quando por volta de 9h30, Manoel entrou subitamente no recinto, vindo da parte interna. Em seu encalço vinha Eduarda e os dois foram saudados pela maioria dos frequentadores já seus conhecidos. Os que eram novos logo souberam de quem se tratava e se uniram aos vivas dados pelos demais. Os frequentadores que haviam estabelecido uma relação de amizade, vieram de imediato cumprimentar o casal, indagar da viagem, se tudo correra bem.
Ouro preto

Ouro Preto 2

            Enquanto Manoel circulava pelo salão cumprimentando a todos, Eduarda foi até a cozinha. Foi ver Arminda e a nova auxiliar que estavam ali ultimando a limpeza e deixando algumas coisas preparadas para alguns pedidos tardios que sempre havia. Embora fosse dia de semana, um e outro freguês em geral ficava para até depois das 22 horas. Arminda a cumprimentou e olhou fixamente  seu rosto sorridente, bem disposto, concluindo que a viagem, como também o início da vida conjugal havia corrido da melhor forma possível. Viúva que vivera uma vida profícua com o marido por longos anos, sabia ler no olhar de uma semelhante os sinais de satisfação com seu estado do momento. Ficou contente, pois vira mulheres passarem anos sofrendo as consequências de uma lua de mel com desfecho desagradável.

            Nunca conseguiam uma harmonia total, restando sempre alguma coisa, um ressentimento, um trauma ou uma ponta de tristeza. Algo que não fora satisfatório era motivo de muita tristeza depois. Trocaram algumas palavras e as duas estavam se preparando para voltarem para casa. A hora de encerrar o trabalho já havia passado, mas se deixassem tarefas inconclusas teriam mais trabalho na manhã seguinte. Assim, mesmo se chegassem alguns minutos depois da hora, encontrariam tudo em condições de iniciar logo as atividades do dia, sem sobras do anterior por terminar. Despediu-se de ambas e foi para junto do marido que estava em meio a um grupo de frequentadores conversando.
Uberaba, turismo (Chico Xavier)

Vista de Uberaba

            A sua chegada silenciou a conversação em geral, sinal de que haviam estado a falar de assuntos, considerados impróprios para serem comentados diante da jovem esposa do amigo. Percebendo o fato ela falou sem rodeios:
            - Por que foi que se calaram de repente? Pensam que meus ouvidos são muito delicados para o que estavam falando?
            - É que a gente não lhe conhece direito e não queremos ofender nem melindrar a senhora, - disse um dos mais falantes.
            - Pois podem continuar. Todos os assuntos que interessam ao meu Manoel, também me interessam.

            Entreolharam-se de modo significativo e Manoel, para descontrair, fez a apresentação da esposa aos fregueses. Todos indistintamente apertaram sua mão e desejaram muita felicidade na nova vida que iniciavam.
            - Obrigado a vocês. Sei que em muitos momentos vou estar ali, atrás do balcão atendendo vocês a partir de hoje. Por isso, façam de conta que sou apenas mais um de vocês e sejam alegres, brinquem e falem as besteiras que quiserem.
            - Cuidado, meu bem! Essa turma fala cada uma de arrepiar até cabelo de relógio. Imagine você, minhã dama, minhã rainha. Não é bom dar liberdade demais a eles.
            - Para começar eu consegui ouvir parte de uma frase que fazia alusão a capacidade de meu Manoel ser capaz de me satisfazer como mulher. Pois saibam que ele é um homem com H maiúsculo. Acho que se não fossem as pílulas ele teria me deixado grávida umas dez vezes só nessas três semanas.

            Manoel ficou vermelho igual a um tomate e os amigos caíram em uma gargalhada que se espalhou por todo salão, chamando a atenção dos demais presentes. Logo outros vieram para perto, curiosos por saber o que se passava. Depois de se recuperar do rubor, Manoel falou:
            - Minha querida, assim você tu me deixas encabulado. Vão pensar que eu sou um maníaco insaciável ou coisa parecida.
            - Eu é que não quero catar sabonete do chão perto dele num banheiro de sauna ou vestiário de clube, - falou um mais afoito.
            - E tu pensas que eu iria olhar para uma bunda peluda? Tenho coisa melhor e mais bonita para olhar.

            As risadas foram gerais e logo o casal foi chamado para perto de umas mesas no salão de refeições, onde havia casais terminando de beber umas cervejas e comer salgadinhos. Conversavam animadamente e fizeram questão que eles sentassem um momento com eles. As esposas cumprimentaram afetuosamente Eduarda e trocavam com ela olhares maliciosos. Diziam mais com os olhos do que poderiam exprimir em palavras. A hora já estava adiantada e pouco depois, começou o êxodo deixando gradativamente o salão vazio. Francisco e o garçom se encarregaram de baixar as pesadas cortinas de aço, trancando-as. As portas de vidro foram por sua vez fechadas, mas sem ser chaveadas. Em caso de arrombamento, iriam oferecer pouquíssima resistência e apenas provocariam a destruição do vidro, aumentando o prejuízo.

            Francisco resumiu os fatos relevantes ocorridos na ausência do patrão e deixaram para analisar tudo com mais detalhes no dia seguinte. Era hora de irem dormir, pois se aproximava das onze horas. Arminda e a ajudante haviam se retirado há mais de uma hora. Provavelmente já estariam em casa, talvez mesmo dormindo. Manoel propôs levar os dois em casa ao que eles se opuseram. Certamente ele viera dirigindo por longas horas, pois havia avisado por telefone sobre a viagem naquele dia. Não moravam muito longe o os ônibus nesse momento andavam depressa, com pouco movimento de passageiros. Iam de metrô e em pouco tempo estariam em suas casas.

            Com a saída de todos, Manoel e Eduarda se viram sozinhos em sua casa. Subiram para a moradia e se prepararam para dormir. Os presentes de casamento estavam empilhados em um canto da sala, esperando serem abertos e grande parte. Isso esperaria pelos dias seguintes. Não havia pressa para isso. Estavam cansados da viagem e queriam descansar. Tudo isso sem esquecer antes uma sessão de amor em sua casa. Até aquele momento haviam se amado em diversas camas, sofás, tapetes de apartamentos e mesmo sob o chuveiro. Dessa vez iriam estrear a própria cama, que ainda não fora usada por ninguém.

            Um banho reparador viria a calhar para terem um repouso mais efetivo depois. As roupas ainda estavam nas malas, mas o que não tinham levado na viagem estava guardado no guarda roupa. A mãe de Eduarda se encarregara, junto com uma nora de levar para lá os pertences da filha e arrumar tudo a seu modo. Ao voltar ela daria a destinação que gostasse a cada peça, mas pelo menos não estava tudo jogado de qualquer forma pela casa. Ela olhou e encontrou roupas de dormir que costumava usar antes. Estava ansiosa por vestir suas roupas mais aconchegantes. Na viagem tudo havia sido novo e nem sempre eram muito confortáveis nas primeiras vezes. Manoel fez o mesmo em seu lado do guarda roupa e nas gavetas, de onde retirou o pijama predileto, além de um roupão bem surrado.

            Entraram juntos no chuveiro e enquanto se lavavam faziam carícias mútuas. Ele ensaboou e esfregou as costas da mulher. Depois foi a vez de receber o mesmo tratamento. Dessa forma saíram do chuveiro tendo mal se enxugado e caíram sobre a cama abraçados. O estado de excitação estava elevado e em instantes estavam entrelaçados se amando apaixonadamente. Manoel não tivera muitas experiências com mulheres enquanto solteiro e Eduarda casara virgem. Mesmo assim, ele soubera conduzí-la ao prazer sem dificuldades e ela se entregara sem reservas ao carinho do marido/amante. Não tardara a aprender retribuir e assim haviam alcançado êxtases intensos, mesmo nos primeiros dias de sua vida a dois.

            Ao atingiram o clímax, ainda ficaram alguns minutos trocando carícias e sem perceberem, adormeceram. Algum tempo depois acordaram e apenas puxaram uma colcha para se cobrir pois não fazia frio, apenas o ar mais fresco da madrugada, habitualmente com um pouco de garoa de São Paulo. Dormiram até tarde na manhã seguinte. Nem a preocupação de verificar o andamento de todos os assuntos referentes ao estabelecimento comercial haviam dado resultado. O cansaço e o desejo satisfeito, fizeram a ambos dormirem profundamente.

            Ao acordarem e olharem para o relógio de parede, passava das oito horas. No andar de baixo já era audível o ruido do movimento dos primeiros fregueses. Na cozinha os ruídos de panelas, utensílios sendo manuseados, lavados ou guardados. Eduarda acordou por último e viu o olhar do marido dirigido a ela. Tinha um sorriso maroto no olhar e indagou:
            - Já é tarde?
            - Que é que tu achas, meu bem?
            - Meu Deus! Eu dormi igual uma pedra.
            - E eu então! Nem vi a noite passar. Agora já foi e pronto.

            Levantaram, fizeram sua higiene matinal alternadamente.  Primeiro foi Manoel enquanto Eduarda arrumava os lenções e travesseiros na cama. Acordou nua e nem pensou em se vestir. Apenas colocou um velho peignoir para cobrir o dorso. Estava só com o marido e, nos poucos dias juntos, tinham passado muitas horas apenas usando a própria pele. Quando ele estava terminando de se lavar, ela chegou e o abraçou pelas costas, encostando a pele em seu corpo. Ele estremeceu e falou:
            - Deixa de me provocar, querida. Assim nós vamos voltar para a cama e só saímos daí bem mais tarde.
            - Algum problema com isso, meu amor?
            - Problema não, apenas vamos deixar de cuidar das outras coisas.
            - Isso tudo tem tempo. Eu te amo tanto, meu homem.

            Antes mesmo de se vestirem caíram novamente um nos braços do outro sobre a cama, onde teve lugar mais um ato de amor intense e prolongado. Ao terminarem foram para baixo do chuveiro e tomaram banho. Agora era para remover qualquer cheiro remanescente do suor e emanações dos corpos durante os momentos de sexo intenso. Enxugaram a pele e, enquanto ela se vestia, Manoel desceu para ir ver como estava o movimento. Cumprimentou os funcionários, indagou se havia alguma providência urgente a tomar. Apenas alguns item precisariam ser comprados, mas não havia pressa. Estavam acabando. Não convinha esperar que o estoque se esgotasse, para providenciar a reposição. Poderia deixar para depois, sem problema.

            Tomou uma xícara de café com leite, comeu um pão com manteiga e queijo que havia ali. Foi até a porta da frente olhar o movimento da rua, encontrando o tempo nublado, ameaçando chover. O ar estava abafado e quente. Não tardaria a cair uma chuva bem forte de verão, pelo que era possível observar. Logo a esposa, vestindo um conjunto de saia e blusa leves estava ao seu lado. Ele a abraçou pelos ombros, apontou para o céu e disse:
            - Acho que o céu vai abençoar nossa volta com uma chuva bem forte.
            - Minha mãe sempre diz que chuva é benção de Deus! As vezes acho que não é bem isso. Especialmente quando vem com tempestade, granizo, raios e trovões.
            - Isso faz parte da coisa toda.
            - Com certeza. Não se pode fazer nada além de se proteger e cuidar para não sofrer as consequências.
            - Tu já tomaste café?
            - Tomei um pouco e comi um pedacinho de pão. Não estou com muita fome.
            - Vou precisar providenciar algumas coisas para a cozinha. Tu vais junto?
            - Acho que vou. Dessa forma eu conheço os lugares onde tu fazes as compras. Pode ser que um dia eu precise tomar conta do estabelecimento e vou saber onde ir.
            - Seria uma boa ideia aprenderes a dirigir o carro. Tirar carta de motorista também.
            - Tu deixas eu dirigir tua jóia?
            - Não te esqueças que ele é tão teu quanto meu agora. Não temos minhas propriedades, tuas propriedades. Temos nossas propriedades.
            - Vou ver uma auto-escola para aprender e fazer tudo certo. Assim quando sair na rua vou ter tudo documentado.
            - Vamos providenciar isso nos próximos dias.

            Os dois pegaram a lista de compras, verificaram com Francisco a situação do Bar quanto à bebidas e demais ingredientes, depois saíram para tratar das compras necessárias. A presença de Eduarda ao seu lado fez com que demorassem mais, pois ele fazia questão de lhe mostrar cada detalhe, cada lugar, conversar com os atendentes ou proprietários. Dessa forma ela seria conhecida e poderia fazer tudo em sua ausência ou impedimento. Voltaram já era próximo de uma hora da tarde. O almoço já estava terminando, havendo apenas alguns fregueses retardatários, que habitualmente vinham nessa hora para comer, devido às suas atividades. Outros tinham trabalhos mais livres e algumas vezes chegavam cedo, outras vinham mais tarde. Isso era corriqueiro.

            Os auxiliares se encarregaram de descarregar as compras e colocar tudo em seus devidos lugares. Haviam comprado também mantimentos para uso em sua casa, embora na maior parte suas refeições viessem a ser feitas ali mesmo no restaurante. Estavam começando agora a vida de comerciantes. Iriam dividir as tarefas da melhor maneira possível, procurando evitar sobrecarga tanto para um, como para o outro. Almoçaram e Eduarda subiu para dar um jeito no monte de presentes. Verificar o que poderia ser colocado em uso de imediato, o que seria guardado, o que estava duplicado. Infelizmente havia se recusado a fazer a famosa lista de presentes, para não constranger ninguém a gastar o que estivesse for a de suas posses. Considerava presente algo dado de coração e dentro do poder de comprá da pessoa.

            Em algumas ocasiões ouvira pessoas, convidadas para casamentos reclamarem. Tendo sido entre os últimos a fazer a comprá, lhes restara um utem muito caro e que nem eles mesmos dispunham em sua casa. Considerava presente algo da escolha de quem oferece e não uma exigência de quem recebe. Esse procedimento fazia pensar que a festa de casamento tinha por objetivo equipar a casa do casal, sem ser necessário dispor de nada dos recursos próprios. Isso talvez funcionasse entre pessoas todas de mesmo nível econômico, onde essas despesas eram de menor importância. Ao se convidar pessoas queridas, de condição mais humilde, corria-se o risco de provocar situações deveras indesejáveis.

            Ao final da tarde havia empilhado uma porção de itens repetidos, junto com os embalagens e possibilidades de identificação da origem. Talvez seria possível efetuar a troca por outras coisas de que tivessem necessidade. O que não fosse possível trocar, guardaria e usaria para presentear pessoas em ocasiões futuras. Para isso precisaria guardar dentro da embalagem e sem danificar. Havia também louças, jogos de faqueiros, travessas de porcelana, e diferentes objetos. Muita coisa era mais ornamental do que útil, mesmo assim deixaria para escolher em comum acordo com Manoel o que ficaria para seu uso no presente ou futuro.


            A tarde transcorreu depressa. Nesse meio tempo Manoel havia ido ao banco, verificar a situação das contas, os investimentos, pagar taxas e faturas diversas. Era preciso passar em várias agências e dessa forma consumiu a tarde inteira, ficando alguma coisa para o dia seguinte. Era comum precisar enfrentar filas em vários lugares, de forma que não se podia chegar, resolver e sair. 

OBS.: imagens tiradas de páginas na internet, identificadas como imagens de determinado lugar, ou sites da instituição, prefeitura. 


Uberlândia vista noturna.

Aeroporto de Montes Claros.



terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Reminiscências da minha infância.


Meua avós maternos, Berta Dewes e Mathias Dewes. Saudades.

Vista de propriedade rural tradicional.

Por do sol em minha terra natal.


Reminiscências da 

infância!


            Ano novo chegando, expectativas variadas sempre presentes nesses dias. Ao mesmo tempo me ocorrem determinadas lembranças guardadas na memória, do tempo de criança, nesses dias de festas. Nasci e cresci no interior do Rio Grande do Sul, bisneto de imigrantes alemães, o que faz minhas recordações terem forte teor da cultura herdada dos antepassados vindos do exterior. Por outro lado trazem traços de integração às diversas culturas encontradas aqui nas décadas pós-colonização.

            Com relação ao Ano Novo, tenho especial lembrança de uma atividade desenvolvida por meu avô materno Mathias Dewes. Ele sabia declamara maravilhosamente uma poesia em que evocava a despedida do ano velho e saudava a chegada do ano novo. Em determinados momentos a letra do poema pedia música e então meus tios Otmar no acordeão e Raimundo no violão, faziam um ligeiro floreio. Logo depois ele prosseguia com a declamação.

            Tudo isso era feito diante da porta de um morador da comunidade. As colônias na região eram feitas dos dois lados de uma estrada em linha reta, aberta através da floresta. Eu morava na casa deles desde antes dos dois anos de idade. Um pequeno grupo iniciava na casa do primeiro morador, no começo da Linha Paranaguá e prosseguia até o último morador da comunidade. Isso acontecia nas primeiras horas da noite do dia 31 de dezembro. Era normal chegarem em silêncio. Diante da porta, de hábito fechada, meu avô iniciava a declamação e batendo simultaneamente na porta. Pedia ao dono para abrir sua casa e receber o anúncio do Ano Novo. Ao terminar o poema, em geral o grupo era convidado a entrar e lhes era servida alguma comida, como bolo, cuca, bolachas (biscoitos caseiros). Em grande parte das vezes, a comida era acompanhada de um copo de vinho, ou em outros casos de uma espécie de caipirinha, num copo bem grande. Os músicos tocavam e cantavam uma ou duas músicas. Se despediam da família e seguiam para a próxima casa.

            Muitas vezes um membro da família visitada se juntava ao grupo e o acompanhava, até o ponto que considerasse conveniente. Depois retornava à sua casa. Até mesmo alguns descendentes de poloneses que moravam no meio da colônia, recebiam com extremo carinho o grupo. Apesar de não entenderem a língua ou pouco pelo menos, sabiam qual era o espírito que animava, especialmente o declamador da poesia, meu avô. Geralmente, quando chegavam à própria casa onde meu avô residia, passava bastante de meia noite. Lembro de algumas vezes em que acordei e assisti aquele ritual. Era emocionante ouvir a voz forte e grave de seu Mathias declamando a poesia. Ali ele não era o dono da casa, era o anunciador do Ano Novo. Quem fazia as vezes de dono, era minha avó, Berta (Seibt) Dewes. A essa altura o grupo já se multiplicara bastante, apesar de alguns terem voltado algum tempo antes. Nesse ritmo, demorando ora mais ora menos, dependendo da situação, era comum retornarem para casa somente ao clarear do dia, até mesmo com o sol despontando no horizonte.

            Houve uma nota de desgosto em todos os anos que eu assisti meu avô, sair a cada novo ano que surgia, anunciar as boas novas. Infelizmente, o fato de servirem bebidas na maioria das casas, levou alguns acompanhantes interessados apenas nesse aspecto, a exagerar e cometer deslizes, causando alguns desentendimentos com moradores. Nos últimos dois ou três anos que meu avô dispôs de saúde para fazer o anúncio, ele deixou de fazê-lo por causa dos problemas ocorridos. Havia quem se recusasse a abrir a casa, com receio de comportamento inadequado de parte de algum dos acompanhantes. Tamanho foi o desgosto que, nem deixar a poesia escrita para a posteridade ele quis. Pensei que um dos meus tios, Edgar Deves, tivesse guardado um caderno com a anotação, mas não existe cópia. Era meu desejo tentar traduzir o poema e, mesmo não sendo possível fazer o anúncio, poderia servir para alguma forma de atividade a ser desenvolvida nesses dias tão carentes de anúncios de boas novas.

            Em 1958, ano em que eu completei 10 anos, meu avô ficou doente. Uma aterosclerose progressiva nas artérias cerebrais, gradativamente lhe tirou os movimentos, a fala e em 1964 o levou para a sepultura aos 66 anos de idade. Lembro de seus cabelos brancos, um pouco crespos, cortados curtos; suas rugas, as mãos calejadas, o chinelo de couro, sempre um pouco mal encaixado, especialmente no pé direito, onde o calcanhar sempre apoiava na terra. Levava os chinelos meio soltos, arrastando a parte posterior, levantando uma pequena nuvem de poeira na estrada de terra. Eu o vi de sapatos nos pés em poucas ocasiões. Adorava ler, contar histórias, tinha uma gargalhada característica que era emitida em ocasiões mais raras. Foi ele que comprou o primeiro rádio a bateria que eu conheci. Lembro o formato, o dial, os botões de comando, liga/desliga, volume, ondas curtas, médias e sintonia. Apenas esqueci a marca. Depois dessa aquisição o lugar de reunião da família após o almoço era na sala ao redor do rádio, ouvindo um programa da Rádio Cerro Azul, de Cerro Largo, onde um locutor de origem alemã fazia um programa de variedades, falando em alemão.





Era em algo assim que eu ouvi minhas primeiras notícias, músicas e outros programos nos anos 50.

Esse também é do tempo de minha infância.

            Ele era ouvido em toda região, inclusive na província de Missiones na Argentina, onde existe uma vasta colônia de origem alemã. Uma das partes mais apreciadas eram as homenagens de aniversário. Eram oferecidas músicas ao homenageado, sempre precedidas de algumas frases, previamente escritas por alguém que havia preparado o programa e enviado ao locutor. Lembro em especial de um aniversário de minha avó. Ele, seu Mathias preparou em segredo uma longa lista de músicas oferecidas pelos filhos, netos, amigos e vizinhos, cada uma precedida por algumas frases escritas por ele em combinação com que era o que dedicava a música. Era um momento de confraternização inigualável. Muito mais que hoje a televisão consegue, mesmo nos momentos mais impactantes.

            Seu Mathias era habitualmente um homem calmo, comedido em suas palavras. A única ocasião em que alterava a voz era quando voltava do “bolicho” depois de tomar um “martelinho”, ou seja um ou dois goles de cachaça. Não era alcoólatra, mas acompanhava os conhecidos que ali se reuniam e, antes de fazer suas compras, aproveitavam para tomar um trago e depois voltar para casa. Nessas ocasiões ele chegava um pouco tonto e se alguém dissesse algo a respeito ele ficava bravo. Nesses momentos ele alterava a voz, no resto do tempo falava firme e decidido, mas nunca elevava a voz acima do tom de conversação. Ele faleceu pouco antes de eu completar 16 anos. Hoje estou com 66, portanto já se passaram 50 anos e eu consigo evocar sua imagem sorridente, bonachona e querida como se o tivesse visto há bem poucos dias. Vovô Mathias e vovó Berta, suas imagens estão para sempre gravadas em minha mente. Posso viver mais muitos anos e creio que jamais os esquecerei.
Tio Otmar e esposa Clara (madrinha)

            Meu tio Otmar, tocava acordeon, na minha opinião com ótimo desempenho. Lembro que passei algumas horas parado ou agachado ao lado de sua cadeira ouvindo ele tocar e acompanhando com o pé o ritmo da melodia. Quando ele se casou com minha madrinha Clara Bogorni, eu tinha 4/5 anos (ainda não estava na escola). Ao voltarmos da igreja após a cerimônia religiosa, estávamos na carroceria do caminhão do dono da cervejaria e produtora de bebidas, Aloísio Bieger. Quem dirigia era o filho mais velho Armando.
            Meu tio Raimundo, meu padrinho, casou algum tempo depois com Irena Hartmann, na Linha Acre. Lembro que tentei beber um gole de vinho na hora do almoço, mas não gostei. Preferi beber a “sangria”, uma espécie de refresco feito com água misturada ao vinho e um pouco de açúcar.
            Nessa época convivi com os tios Evaldo, Edgar, as tias Hedda e Florida. Essa foi minha babá, pois quando nasci, ela estava completando 10 anos de idade, tendo portanto hoje 76 e mora em Brasnorte – MT. Foi casada com Dionísio Wagner, de saudosa memória. Meus anos de infância foram de convivência em grande parte com adultos. Encontrava pessoas de minha idade na escola e aos domingos a tarde, ao visitar os vizinhos. Nessas ocasiões nos divertíamos com variadas brincadeiras, alternando o uso de bicicletas de pau, triciclos, pneu velho usado para rolar e fazer estripulias diversas. Em outras ocasiões tínhamos estilingues (chamávamos de bodoque) e caçávamos passarinhos. Para meu desgosto na época, eu era ruim de pontaria. Dificilmente acertava o tiro. Na época isso me frustrava, ficava triste e acabrunhado, fazendo-me abandonar logo o brinquedo. Anos mais tarde, passei a bendizer essa minha falta de pontaria. Assim não carrego na consciência o remorso de ter matado um grande número de pequenas aves, que para nada serviam em geral, além de satisfazer o ego do atirador.

Tio Evaldo e esposa Lilian

Na casa de tio Evaldo em 1982. 



            Em minha infância jamais imaginei que, ao chegar a idade que hoje tenho, estaria sentado em minha cama, encostado nos travesseiros, com um notebook no colo, digitando textos para publicar em um blog na internet. Conheci telefone ao servir o exército, quando tinha 18 anos de idade. Foi nessa ocasião que vi o primeiro televisor. Ajudei a pagar o aparelho que foi colocado no alojamento de minha companhia, no 2º BCCL em Santo Ângelo em 1967.

            Quanto tempo se passou, mas muito maiores foram as transformações do mundo nesse período. Sei que o tempo não volta. Nem direi que gostaria de voltar no tempo. Dificilmente me acostumaria novamente. Se fosse possível reviver por algumas horas, acho que eu aceitaria de bom grado. Seria ótimo poder correr despreocupado pelo espaço aberto, tropeçar em uma pedra, um toquinho, pisar num espinho, mas sentir o cheiro de mato, terra, vida em plenitude. Isso me dá saudade, não resta a menor dúvida. Tive uma infância muito boa, apesar das aparentes privações e carências de alguma espécie. Porém o que tive, compensou sobejamente o que não tive. Isso é o mais importante. 

Tio Edgar em 1982

Reunião para comer melancia em casa de tio Edgar

Tia Hedda e esposo Edwino Czapla

Lavoura de milho na região nos tempos atuais.

Propriedade de Valdomiro Seibt, visitada em junho passado.

Portal da entrada de Cândido Godoi, sede do município.

Colheita de soja há alguns anos.