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Munumento erigido em Irani, primeiro reduto combatido por tropas do exército. |
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Área de sepultamente de alguns mortos em combate. |
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Capela com um grande cruzeiro na frente. |
Guerra do Contestado
Parte
II
Quando o clima estava num nível elevado de ebulição.
Insatisfeitos, desempregados, despossuídos e carentes por toda região, surgiu
um novo personagem. Ele se apresentou como José Maria, irmão ou parente do
segundo João Maria que por ali havia perambulado. Há quem lhe atribua origem argentina,
outros dizem que era ex-cabo do exército, sem que ninguém saiba a verdade.
Paira sempre uma dúvida, pois não existem documentos, pelo menos até o momento,
para comprovar alguma coisa.
Dizendo-se irmão de João Maria, possuidor de algum grau
de instrução, tanto que tinha conhecimento de propriedades curativas de
plantas, além de rudimentos de escrita e leitura. Facilmente se apropriou da
herança de João Maria, venerado por muitos como santo, especialmente o
primeiro. Em Taquaruçu, perto de Curitibanos, durante uma festa comemorativa,
ocorreu um ajuntamento de povo vindo de diferentes direções. José Maria estava
presente e o ajuntamento se prolongou. Dividiam os alimentos por igual entre todos,
os mais abastados mantinham os demais. Isso causou preocupação em Coronel
Albuquerque, superintendente (prefeito) do município. Era também membro do
congresso estadual, pelo mesmo partido do governador do estado.
Pediu ao governador reforço de tropas da guarda nacional
e polícia catarinense para dispersar o ajuntamento. O povo estava ali não reunido para combate, mas em busca de
ajuda, sustento e cura de seus males. A dispersão ocorreu o grande parte dos já
seguidores de José Maria migraram para a região de Palmas, mais precisamente no
Irani, onde se formou um reduto, já sob a chefia de José Maria. Mantinham no
entanto características pacíficas, falavam em “santa religião”, monarquia, e
algo que mais tarde foi denominado de “comunismo caboclo”. Junto com José Maria
haviam migrado um dos seguidores mais próximos Eusébio e sua mulher Querubina.
A nova localização do reduto, preocupou as autoridades
paranaenses, que consideravam a região parte do seu território. O Coronel João
Gualberto, chefiando uma tropa de mais de 300 homens, com armas de guerra,
fuzis, metralhadoras e obuses de campanha se deslocou para lá. Ao acampar nas
proximidades, o comandante recebeu um bilhete, levado por um caboclo de parte de
José Maria. Dizia que não tinham necessidade de brigar, pois não eram
intrigados. O reduto não tinha finalidades bélicas, não pretendiam agredir
ninguém. João Gualberto, saíra de Curitiba levando cordas, prometendo levar
José Maria e os outros líderes amarrados para desfilar na capital. Acreditavam
que os redutos de caboclos era estratégia das autoridades catarinenses para
forçar a execução da sentença demarcatória dos limites, exarada pelo STF no Rio
de Janeiro. Pensavam assim dar um susto nos catarinenses e reverter o quadro.
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Coronel João Gualberto, morto em Irani. |
Com essa intenção João Gualberto disse ao mensageiro que
não recebia o bilhete e iria cumprir a promessa feita. Levaria o líder e seus
chegados para desfilar amarrados em Curitiba. Levou consigo apenas 60 homens e
encaminhou-se para o acampamento. Os moradores do ajuntamento, não dispunham de
armas, além de algumas espingardas, velhos fuzis da revolução federalista e
mais antigos. Tinham no entanto uma habilidade ausente nos soldados. Conheciam os segredos do sertão, eram hábeis
no manejo de arma branca como facão, adaga e mesmo algumas espadas. Acoitados no
meio do mato, caíram de surpresa sobre a pequena tropa que foi praticamente
toda dizimada, inclusive o comandante. Há depoimentos que afirmam ter ele sido
degolado por José Maria enquanto tentava fazer funcionar a metralhadora que
engasgara, parando de funcionar. Entre os caboclos não houve baixas
significativas, além do líder José Maria.
Os remanescentes da tropa militar, por falta de comando,
retornaram para Curitiba, derrotados. Já os caboclos, liderados por Eusébio e
Querubina, tendo a filha Theodora como “virgem” que falava em sonhos com José
Maria, voltaram para o Taquaruçu e iniciaram um movimento, dessa vez
revolucionário. Sentiam-se acossados, de um lado pelas autoridades
catarinenses, por outro pelas
paranaenses e ainda sofriam com a presença dos homens da segurança da Brazil
Railway e Brasil Lumber and Colonization. Criaram as “formas”, levantaram
cruzes, proclamavam o retorno de José Maria dentro de um ano. Ele teria ao seu
serviço o exército encantado de São Sebastião. Dentro do reduto era tido tudo
em comum. No começo houve quem fizesse doações e mesmo quem se juntasse ao reduto
colocando seus bens à serviço da comunidade. Durante algum tempo o comando foi
exercido por Theodora, sob inspiração de Querubina e Eusébio.
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Carta do tempo do conflito do contestado. |
No ano de 1914 ocorreram diversas derrotas de tropas,
tanto federais, como estaduais, apoiadas por caboclos denominados “vaqueanos”. Estes
estavam mais aptos a combater os caboclos dos redutos, por serem de mesma origem.
Tinham habilidades que os soldados ignoravam. O principal inimigo das forças
regulares era a floresta com suas armadilhas. Estavam treinados a lutar em
trincheiras, ou então em campo aberto, usando as baionetas. Os facões e adagas
tinham desempenho superior na floresta. As várias derrotas dos soldados
deixaram para trás um grande número de armas e munições. Todas elas foram
recolhidas e distribuídas entre os caboclos. Dessa forma chegou um momento em
que dispunham tanto das armas brancas em cujo uso eram superiores, como armas
de fogo, reabastecidas de munição por comerciantes que não tinham escrúpulos em
negociar com eles.
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Telegrama de Setembrino ao governo. |
Eram extremamente hábeis em armar “esperas” aos soldados,
em locais onde não eram esperados e infligiam pesadas baixas às tropas
oficiais. Em 1914 o comando das tropas encarregadas de liquidar os redutos era
o General Setembrino de Carvalho, transferido do nordeste para assumir o
comando. Preparou uma estratégia de cerco, visando sufocar os rebeldes. Dividiu
as tropas em vários grupos que foram deslocados para posições de onde
avançariam até encurralar os caboclos. Mesmo assim, o desconhecimento do
terreno, a audácia e valentia dos caboclos causaram estragos consideráveis. Em poucos
dias atacaram duas estações de trem, causando destruição e morte. O que havia
começado como um movimento com ideias pacíficas, por falta de sensibilidade
política das autoridades, se transformara numa luta por independência,
implantação de uma monarquia em que todos seriam livres, não haveria senhores.
Entre os rebeldes sucederam-se várias lideranças. Após
Theodora veio um rapazola que recebeu o título de “menino-deus”, mas com
características similares à virgem. Depois surgiu a neta de Eusébio, Maria
Rosa, retratada vestida de branco e montada em um cavalo branco, comandando os
rebeldes. Aos poucos as chefias mais moderadas e idealistas foram substituídas por
outras lideranças mais próximas das atividades guerreiras. Os assassinatos eram
lugar comum.
Uma coisa era comum nos redutos. A higiene precária,
aliada à alimentação deficiente, pouca disponibilidade de água potável, fizeram
eclodir epidemias de tifo. Quase imediatamente ocorria uma mudança para outro
lugar, onde geralmente era levantado novo povoado de casebres. Um deles foi o
de Caraguatá, depois de esvaziarem Taquaruçu. Ali o General Setembrino
conquistou relativa vitória, sendo depois disso as tropas federais recolhidas. Ficou
ao cargo das autoridades estaduais a conclusão da dissolução de outros
ajuntamentos. Esse trabalho se estendeu por 1915 e parte de 1916.
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Capitão Ricardo Kirk, primeiro aviador brasileiro, morto em acidente na guerra do contestado. |
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Hangares construidos para abrigar os aviões. |
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Aviões sendo montados ao chegar. |
Pesquisando na internet sobre fotografias da época,
encontrei algumas de aviões da época. Na continuação encontrei um texto
narrando a vinda, de três aeronaves sobre um vagão de trem para serem usadas no
conflito. Construiram-se hangares, pistas de decolagem em vários pontos como
União da Vitória, Rio Negro e outros. O primeiro piloto brasileiro a dispor de
brevet, expedido na França, além de outro italiano, instrutor de voo no
aeroclube do Rio de Janeiro vieram para voar. Dois aparelhos caíram, sendo que
o segundo vitimou fatalmente o capitão Kirk, primeiro piloto e também primeira
vítima de acidente aéreo em terras brasileiras. Foi ali que se tentou usar pela
primeira vez o novo meio de transporte como arma de guerra. Assim encerrou-se
essa atividade, antes mesmo de entrar em ação efetivamente.
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Rebeldes prontos para combate. |
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Soldados protegidos por parapeito de madeira. |
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Grupo rebelde disposto a luta. |
O último chefe rebelde foi Deodato ou Leodato. Homem
cruel e sanguinário segundo alguns depoimentos. Já outros o consideraram justo
e bom. Pouco antes de seu tempo havia os líderes menores como Castelhano, Chico
Ventura, Negro Olegário e outros que estiveram de certa forma sitiando a cidade
de Lages. Ao assumir o comando, Deodato mandou todos os “piquetes xucros”
recolher causando descontentamento nos líderes. Castelhano e Olegário ao que
consta, não se submeteram. Lutaram em diferentes lugares por sua conta com as
forças de que dispunham. O último ajuntamento foi em Santa Maria, num local
bastante seguro e difícil acesso. Ali resistiram por muito tempo, até que um
oficial vindo do setor norte, de nome Potiguara, conseguiu atravessar a densa
área de floresta e surpreendeu os rebeldes pelo lado em que não esperavam.
Isso provocou a fuga de muita gente, além de grande
número de rendições pacíficas. Havia muitos que tinham sido levados para ali a
força e na verdade estavam esperando uma oportunidade de escapar. O comandante
Leodato conseguiu evadir-se, ficando por alguns meses escondido no mato. Por último
se entregou às autoridades dizendo-se cansado de lutar. Foi conduzido para Florianópolis, onde foi
submetido a julgamento e condenado. Enquanto cumpria a pena, aprendeu o ofício
de sapateiro e trabalhava na sapataria da prisão. Um desentendimento levou-o a
matar um companheiro de prisão. O encarregado da prisão, dizendo-lhe facilitar
a fuga, simulou sua evasão. Quando ia sair, alvejou-o pelas costas, com um tiro
certeiro, matando-o ali mesmo.
Muitos caboclos, mesmo não sendo parte dos rebeldes,
foram caçados e mortos ou aprisionados no interior. Demorou um tempo longo para
cicatrizar as feridas abertas pelos combates que se estenderam por longos
quatro anos. Ao final da contenda, finalmente ocorreu também a assinatura de um
acordo entre as autoridades paranaenses e catarinenses, relativo aos limites de
território. Desde então os passaram a existir onde antes havia litígio as
cidades de União da Vitória do lado paranaense e Porto União do lado
catarinense. Assim também Rio Negro e Rio Negrinho. Um vasto território hoje
pertencente a Santa Catarina, desde Palmas até a divisa com Argentina na região
de São José do Cedro, Santo Antonio do Oeste, São Miguel do Oeste, e outros,
passou longos anos sob litígio. Depois disso essa região foi colonizada por um
contingente considerável de colonos provenientes do Rio Grande do Sul,
descendentes de imigrantes italianos, alemães e outras etnias.
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Mapa da região do contestado. |
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Familia cabocla. Mulheres vestidas de branco. |
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Militares em momento de descanso durante a guerra. |
Não tenho pretensão de escrever um tratado histórico
sobre essa época. Isso é atividade para historiadores. As fontes que consultei,
apresentam os dados bastante difusos, sem uma cronologia definida. A tese de
Paulo Pinheiro Machado, é riquíssima de informações, mas cheia de idas e
vindas. Ora avança para os dias finais, ora retorna ao começo. Uma compilação
detalhada, organizando os fatos em ordem cronológica, tornaria o assunto mais
acessível ao leitor em geral. Existe material em boa quantidade disponível na
internet. Basta disposição para procurar e depois ler um por um, levando ao
final a formação de uma noção conjunta.
Como última pincelada, quero acrescentar que o líder
Deodato, era filho de criação de um fazendeiro Neco Peppe. Em determinado
momento Deodato invadiu a fazenda de Necco e o assassinou sem motivo justificável.
Matou sua mulher e se casou com a comadre, viúva. Havia entre eles um escrivão
que se encarregava de fazer os registros civis, pelo menos de parte das
ocorrências como nascimentos, mortes e casamentos.
É lamentável o fato de que, pelo menos nas escolas
paranaenses, muito pouco ou mesmo nada é estudado sobre esses acontecimentos
nas aulas de história. Tirei a dúvida perguntando ao meu filho e ele sabe
alguma coisa de notícias veiculadas na mídia, especialmente por ocasião do
filme nacional produzido sobre o conflito. Naquele momento houve uma divulgação
de alguns fatos. Mesmo um filme, por mais longo que seja, é incapaz de retratar
um conflito de cerca de quatro anos de duração. Seriam necessários vários
filmes, uma verdadeira série e mesmo assim grande parte das particularidades
ficariam sem ser retratadas.
Obs.: Quem tiver curiosidade,
procure no site da FGV e encontrará alguns arquivos em PDF que podem ser
baixados para leitura. Digitando no google a expressão Guerra do Contestado,
irá aparecer uma boa quantidade de links que remetem de alguma forma a
informações. Dentre esses há o de imagens. Este é o lugar de onde baixei
algumas fotos usadas para ilustrar as publicações dessas matérias no meu blog. Como
são fotos antigas, todas são em preto e branco. O crédito de produção dessas
imagens são devidas a diversos fotógrafos que registraram os diferentes
momentos e deixaram a imagem gravada para a posteridade.
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Grupo de moradores de reduto. |
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Locomotiva tombada fora dos trilhos. |
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NOTA: Ainda estou lendo o material. Volto em outro momento para dar mais detalhes, com outros enfoques e pontos de vista.
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