 |
Meua avós maternos, Berta Dewes e Mathias Dewes. Saudades. |
 |
Vista de propriedade rural tradicional.
|
 |
Por do sol em minha terra natal.
|
Reminiscências
da
infância!
Ano novo chegando, expectativas variadas sempre presentes
nesses dias. Ao mesmo tempo me ocorrem determinadas lembranças guardadas na
memória, do tempo de criança, nesses dias de festas. Nasci e cresci no interior
do Rio Grande do Sul, bisneto de imigrantes alemães, o que faz minhas
recordações terem forte teor da cultura herdada dos antepassados vindos do
exterior. Por outro lado trazem traços de integração às diversas culturas
encontradas aqui nas décadas pós-colonização.
Com relação ao Ano Novo, tenho especial lembrança de uma
atividade desenvolvida por meu avô materno Mathias Dewes. Ele sabia declamara
maravilhosamente uma poesia em que evocava a despedida do ano velho e saudava a
chegada do ano novo. Em determinados momentos a letra do poema pedia música e
então meus tios Otmar no acordeão e Raimundo no violão, faziam um ligeiro
floreio. Logo depois ele prosseguia com a declamação.
Tudo isso era feito diante da porta de um morador da
comunidade. As colônias na região eram feitas dos dois lados de uma estrada em
linha reta, aberta através da floresta. Eu morava na casa deles desde antes dos
dois anos de idade. Um pequeno grupo iniciava na casa do primeiro morador, no
começo da Linha Paranaguá e prosseguia até o último morador da comunidade. Isso
acontecia nas primeiras horas da noite do dia 31 de dezembro. Era normal
chegarem em silêncio. Diante da porta, de hábito fechada, meu avô iniciava a
declamação e batendo simultaneamente na porta. Pedia ao dono para abrir sua
casa e receber o anúncio do Ano Novo. Ao terminar o poema, em geral o grupo era
convidado a entrar e lhes era servida alguma comida, como bolo, cuca, bolachas
(biscoitos caseiros). Em grande parte das vezes, a comida era acompanhada de um
copo de vinho, ou em outros casos de uma espécie de caipirinha, num copo bem
grande. Os músicos tocavam e cantavam uma ou duas músicas. Se despediam da
família e seguiam para a próxima casa.
Muitas vezes um membro da família visitada se juntava ao
grupo e o acompanhava, até o ponto que considerasse conveniente. Depois
retornava à sua casa. Até mesmo alguns descendentes de poloneses que moravam no
meio da colônia, recebiam com extremo carinho o grupo. Apesar de não entenderem
a língua ou pouco pelo menos, sabiam qual era o espírito que animava,
especialmente o declamador da poesia, meu avô. Geralmente, quando chegavam à
própria casa onde meu avô residia, passava bastante de meia noite. Lembro de
algumas vezes em que acordei e assisti aquele ritual. Era emocionante ouvir a
voz forte e grave de seu Mathias declamando a poesia. Ali ele não era o dono da
casa, era o anunciador do Ano Novo. Quem fazia as vezes de dono, era minha avó,
Berta (Seibt) Dewes. A essa altura o grupo já se multiplicara bastante, apesar
de alguns terem voltado algum tempo antes. Nesse ritmo, demorando ora mais ora
menos, dependendo da situação, era comum retornarem para casa somente ao
clarear do dia, até mesmo com o sol despontando no horizonte.
Houve uma nota de desgosto em todos os anos que eu
assisti meu avô, sair a cada novo ano que surgia, anunciar as boas novas.
Infelizmente, o fato de servirem bebidas na maioria das casas, levou alguns
acompanhantes interessados apenas nesse aspecto, a exagerar e cometer deslizes,
causando alguns desentendimentos com moradores. Nos últimos dois ou três anos
que meu avô dispôs de saúde para fazer o anúncio, ele deixou de fazê-lo por
causa dos problemas ocorridos. Havia quem se recusasse a abrir a casa, com
receio de comportamento inadequado de parte de algum dos acompanhantes. Tamanho
foi o desgosto que, nem deixar a poesia escrita para a posteridade ele quis.
Pensei que um dos meus tios, Edgar Deves, tivesse guardado um caderno com a
anotação, mas não existe cópia. Era meu desejo tentar traduzir o poema e, mesmo
não sendo possível fazer o anúncio, poderia servir para alguma forma de
atividade a ser desenvolvida nesses dias tão carentes de anúncios de boas
novas.
Em 1958, ano em que eu completei 10 anos, meu avô ficou
doente. Uma aterosclerose progressiva nas artérias cerebrais, gradativamente
lhe tirou os movimentos, a fala e em 1964 o levou para a sepultura aos 66 anos
de idade. Lembro de seus cabelos brancos, um pouco crespos, cortados curtos;
suas rugas, as mãos calejadas, o chinelo de couro, sempre um pouco mal encaixado,
especialmente no pé direito, onde o calcanhar sempre apoiava na terra. Levava
os chinelos meio soltos, arrastando a parte posterior, levantando uma pequena
nuvem de poeira na estrada de terra. Eu o vi de sapatos nos pés em poucas
ocasiões. Adorava ler, contar histórias, tinha uma gargalhada característica
que era emitida em ocasiões mais raras. Foi ele que comprou o primeiro rádio a
bateria que eu conheci. Lembro o formato, o dial, os botões de comando,
liga/desliga, volume, ondas curtas, médias e sintonia. Apenas esqueci a marca. Depois
dessa aquisição o lugar de reunião da família após o almoço era na sala ao
redor do rádio, ouvindo um programa da Rádio Cerro Azul, de Cerro Largo, onde
um locutor de origem alemã fazia um programa de variedades, falando em alemão.

 |
|
 |
|
 |
Era em algo assim que eu ouvi minhas primeiras notícias, músicas e outros programos nos anos 50.
|
 |
Esse também é do tempo de minha infância. |
Ele era ouvido em toda região, inclusive na província de
Missiones na Argentina, onde existe uma vasta colônia de origem alemã. Uma das
partes mais apreciadas eram as homenagens de aniversário. Eram oferecidas
músicas ao homenageado, sempre precedidas de algumas frases, previamente
escritas por alguém que havia preparado o programa e enviado ao locutor. Lembro
em especial de um aniversário de minha avó. Ele, seu Mathias preparou em
segredo uma longa lista de músicas oferecidas pelos filhos, netos, amigos e
vizinhos, cada uma precedida por algumas frases escritas por ele em combinação
com que era o que dedicava a música. Era um momento de confraternização
inigualável. Muito mais que hoje a televisão consegue, mesmo nos momentos mais
impactantes.
Seu Mathias era habitualmente um homem calmo, comedido em
suas palavras. A única ocasião em que alterava a voz era quando voltava do “bolicho”
depois de tomar um “martelinho”, ou seja um ou dois goles de cachaça. Não era
alcoólatra, mas acompanhava os conhecidos que ali se reuniam e, antes de fazer
suas compras, aproveitavam para tomar um trago e depois voltar para casa.
Nessas ocasiões ele chegava um pouco tonto e se alguém dissesse algo a respeito
ele ficava bravo. Nesses momentos ele alterava a voz, no resto do tempo falava
firme e decidido, mas nunca elevava a voz acima do tom de conversação. Ele
faleceu pouco antes de eu completar 16 anos. Hoje estou com 66, portanto já se
passaram 50 anos e eu consigo evocar sua imagem sorridente, bonachona e querida
como se o tivesse visto há bem poucos dias. Vovô Mathias e vovó Berta, suas
imagens estão para sempre gravadas em minha mente. Posso viver mais muitos anos
e creio que jamais os esquecerei.
 |
Tio Otmar e esposa Clara (madrinha) |
Meu tio Otmar, tocava acordeon, na minha opinião com
ótimo desempenho. Lembro que passei algumas horas parado ou agachado ao lado de
sua cadeira ouvindo ele tocar e acompanhando com o pé o ritmo da melodia.
Quando ele se casou com minha madrinha Clara Bogorni, eu tinha 4/5 anos (ainda
não estava na escola). Ao voltarmos da igreja após a cerimônia religiosa,
estávamos na carroceria do caminhão do dono da cervejaria e produtora de
bebidas, Aloísio Bieger. Quem dirigia era o filho mais velho Armando.
Meu tio Raimundo, meu padrinho, casou algum tempo depois
com Irena Hartmann, na Linha Acre. Lembro que tentei beber um gole de vinho na
hora do almoço, mas não gostei. Preferi beber a “sangria”, uma espécie de
refresco feito com água misturada ao vinho e um pouco de açúcar.
Nessa época convivi com os tios Evaldo, Edgar, as tias
Hedda e Florida. Essa foi minha babá, pois quando nasci, ela estava completando
10 anos de idade, tendo portanto hoje 76 e mora em Brasnorte – MT. Foi casada
com Dionísio Wagner, de saudosa memória. Meus anos de infância foram de
convivência em grande parte com adultos. Encontrava pessoas de minha idade na
escola e aos domingos a tarde, ao visitar os vizinhos. Nessas ocasiões nos
divertíamos com variadas brincadeiras, alternando o uso de bicicletas de pau,
triciclos, pneu velho usado para rolar e fazer estripulias diversas. Em outras
ocasiões tínhamos estilingues (chamávamos de bodoque) e caçávamos passarinhos. Para
meu desgosto na época, eu era ruim de pontaria. Dificilmente acertava o tiro.
Na época isso me frustrava, ficava triste e acabrunhado, fazendo-me abandonar
logo o brinquedo. Anos mais tarde, passei a bendizer essa minha falta de
pontaria. Assim não carrego na consciência o remorso de ter matado um grande
número de pequenas aves, que para nada serviam em geral, além de satisfazer o
ego do atirador.
 |
Tio Evaldo e esposa Lilian |
 |
Na casa de tio Evaldo em 1982. |
Em minha infância jamais imaginei que, ao chegar a idade
que hoje tenho, estaria sentado em minha cama, encostado nos travesseiros, com
um notebook no colo, digitando textos para publicar em um blog na internet.
Conheci telefone ao servir o exército, quando tinha 18 anos de idade. Foi nessa
ocasião que vi o primeiro televisor. Ajudei a pagar o aparelho que foi colocado
no alojamento de minha companhia, no 2º BCCL em Santo Ângelo em 1967.
Quanto tempo se passou, mas muito
maiores foram as transformações do mundo nesse período. Sei que o tempo não
volta. Nem direi que gostaria de voltar no tempo. Dificilmente me acostumaria
novamente. Se fosse possível reviver por algumas horas, acho que eu aceitaria
de bom grado. Seria ótimo poder correr despreocupado pelo espaço aberto,
tropeçar em uma pedra, um toquinho, pisar num espinho, mas sentir o cheiro de
mato, terra, vida em plenitude. Isso me dá saudade, não resta a menor dúvida. Tive uma infância muito boa, apesar das aparentes privações e carências de alguma espécie. Porém o que tive, compensou sobejamente o que não tive. Isso é o mais importante.
 |
Tio Edgar em 1982
|
 |
Reunião para comer melancia em casa de tio Edgar
|
 |
Tia Hedda e esposo Edwino Czapla
|
 |
Lavoura de milho na região nos tempos atuais. |
 |
Propriedade de Valdomiro Seibt, visitada em junho passado. |
 |
Portal da entrada de Cândido Godoi, sede do município.
|
 |
Colheita de soja há alguns anos.
|
Nenhum comentário:
Postar um comentário