Atentado contra cliente.
A indiferença com que fora tratado por Onofre diante
de uma porção de testemunhas, à porta da agência de Banco do Brasil, deixou
Jerônimo deveras injuriado. Esperara uma reação violenta, palavras ásperas, que
lhe ensejassem eventualmente motive para chamar em seu socorro os capangas
espalhados nas redondezas. Um Onofre, aparentemente inofensivo, frustrara seu
propósito. Voltou para casa remoendo a humilhação, planejando vingança. Não
queria engolir esse angú com farinha. Quando estava próximo de casa, um dos
capangas sugeriu que fizessem uma tocaia ao vizinho. Nem que fosse apenas para
dar-lhe um susto, deixar as marcas de balas em seu couro.
Jerônimo não respondeu de imediato. Não convinha
envolver os seus empregados numa ação dessa natureza. Mesmo os mais novos
contratados haviam sido vistos com ele. Se fossem pegos, acabariam denunciando
o mandante e não tinha necesidade alguma de responder a outro processo. Um só
já era suficiente. Mas a ideia de dar um susto no coronelote lhe agradou.
Lembrou de uma dupla de “justiceiros” residente na vila próxima. Pouco depois
de haver chegado no meio da tarde, chamou dois outros empregados e ordenou que
o acompanhassem. Os que havia levado para a cidade estavam ausentes, cuidando
de outros afazeres. Embarcou em sua caminhonete, tendo os cois ao seu lado, foi
até a residência da dupla.
Encontrou os dois numa birosca da esquina, tomando uma
cachacinha. Ordenou aos que o acompanhavam permanecerem na caminhonete, até
receberem alguma ordem. Sentou-se numa mesa do canto, pediu uma garrafa de
caninha da boa, pondo-se a bebericar um “martelinho”. Num momento fez um sinal
discrete a um dos dois que for a procurar e sem demor eles se aproximaram.
Convidou-os a sentar e ofereceu um trago. O dono do estabelecimento trouxe os
copos e os encheu. Depois deixou-os sozinhos, pois tinham assunto sério a
tratar.
Sem muitos rodeios falou o que desejava que fizessem.
Forneceu os detalhes da vítima, seus hábitos, lugares onde costumava ir.
Costumeiramene andava desacompanhado o que deveria tornar o trabalho mais fácil
de ser executado. Diante do exposto, o trabalho foi considerado fácil e o preço
acertado. Jerônimo fez o pagamento de metade adiantado. A outra metade pagaria
com o serviço concluido. A finalidade era apenas dar um susto no coronel.
Poderiam lhe dar um tiro, mas não letal. De preferência que lhe quebrasse uma
perna, talvez o joelho. Uma boa surra também, mas havia o risco de eles serem
reconhecidos e assim complicassem o caso. Melhor mesmo um tiro, aparentemente
casual, preferencialmente sem se deixare ver.
Se quisessem disparar bastantes vezes para dar a
impressão de um grande tiroteio, poderiam ficar à vontade. Habitualmente o
coronel saia todas as sextas feiras para levar a mulher e a filha no comércio
da cidade fazer as compras necessárias. Sugeriu que fizessem o serviço nessa
ocasião.
- Pode ficar sossegado chefe. Vamos dar um susto no
seu “amigo” de que ele não vai esquecer tão cedo.
- Espero o resultado.
Levantou, pagou a cachaça, deixando os dois com o que
sobrara. A garrafa ia pela metade, permitindo prever que em pouco tempo não
sobraria nada. Foi até a porta e chamou os dois empregados. Poderiam tomar um
trago, antes de voltar para casa. Deixá-los ali, sem terem direito a um trago
sequer, os faria ficarem frustrados. Precisaria de todos os homens ao seu lado,
sem insatisfação alguma. Depois de tomarem uma segunda dose, a noite começara a
cair, eles embarcaram no veículo empreendendo a viagem de retorno. Apesar da curiosidade,
os dois não indagaram o que o patrão viera fazer. Quanto menos soubessem,
melhor seria, em caso de alguma coisa em andamento sair errada. Levavam a sério
o ditado “o que o ouvido não ouve, a boca não fala”.
Estavam na terça feira e, a partir dessa data,
Jerônimo ficou torcendo para chegar sexta-feira. Disfarçou como pode sua
ansiedade para não permitir a ninguém desconfiar de suas inenções. O mesmo
capanga que sugerira, tornou a perguntar e els lhe falou:
- E vosmece pensa que vou arrumar encrenca, logo agora
que está chegando o dia da audiência, sobre a questão da divisa? Deixa passar
que depois damo um susto no velho.
- Pode contar c’a gente, para o que for preciso.
- É bom saber, Chico.
Nessa expectativa os dias passaram. Os “justiceiros”
contratados vistoriaram a fazenda de Onofre, chegaram até próximo da casa,
escondidos no meio do cafezal, observaram atentamente, imaginando um modo de
fazer o serviço encomendado. Ali nas proximidades da casa seria perigoso, pois
teriam que percorrer boa distância até a estrada. Observaram que o coronel saia
para percorrer sua propriedade, mas sempre acompanhado de pelo menos três dos
empregados. Isso não estava de acordo com a informação do contratante. Teriam
que buscar um meio de chegar perto, durante a ida a cidade na sexta-feira.
Pontualmente às 8h30min do dia marcado, o veículo de
Onofre saiu pela alameda de acesso, precedido por um jipe com três empregados e
mais outro fechava o cortejo. Tudo estava ficando mais complicado do que o
previsto. Pelo visto alguém alertara a pretensa vítima, fazendo-a tomar
precauções com que não contavam. Mesmo assim seguiram de longe em uma
caminhonete, suficientemente possante para permitir uma evasão rápida em caso
de necessidade. Carregavam carabinas caliber 38, podendo assim atirar de maior
distância. O pequeno comboio parou diante de um supermercado. Dois dos
empregados acompanharam a família ao interior e os outros ficaram esperando ao
lado dos jipes. Seus olhos estavam sempre atentos aos arredores e à porta do
estabelecimento.
Os dois ficaram frustrados. Não seria ali que poderiam
realizar o serviço. Precisariam encontrar um lugar mais propício. Uma tentativa
de cumprir o contrato ali, no estacionamento do supermercado, poriam em risco
outras pessoas e não tencionavam atingir mais ninguém. Apenas o coronel era seu
alvo. Se ao menos o contratante tivesse falado que poderiam atingir qualquer
membro da família, seria mais fácil. Mas fora taxativo nesse particular.
Após uma hora no interior do mercado, a família saiu,
um funcionário levou as compras até a caminhonete do coronel. Este deu uma
pequena gorjeta ao rapaz e embarcou. Dali foram até o centro, parando diante de
uma loja de roupas. Provavelmente tinham intenção de adquirir alguma roupa para
as damas. Novamente tudo se repetiu. Houve apenas um momento em que teriam
podido atingir o alvo, mas estavam em movimento e perderam a oportunidade.
Perto da hora do almoço o grupo iniciou o caminho de
volta. Eles decidiram se adiantar até uma curva que tinha ao lado um penhasco
bem elevado. Dali tentariam usar suas carabinas para cumprir o combinado.
Chegaram, esconderam a caminhonete em local suficientemente distante e seguiram
até o local. Tinham que ser rápidos pois logo o grupo estaria passando por ali.
Chegaram, escolheram um bom lugar para se ocultar, que oferecesse boa
visibilidade da estrada. Dariam alguns tiros, tendo a preocupação de atingir o
coronel e mais ninguém. Isso feito, retornariam depressa ao local do veículo e
empreenderiam fuga. Havia uma estrada secundária que permitia chegar à vila
dando uma boa volta. Isso os tiraria da cena do ataque.
Não tardou e os veículos apontaram ao longe. Pouco
antes da curva escolhida, uma pequena reta permitia escolher o momento certo de
atirar. Depois de atingir o alvo, os demais tiros poderiam atingir as rodas, o
radiador e mesmo o chão. Não importava onde pegassem, queriam fazer bastante
barulho. Quando tiveram o alvo na mira, atiraram e repetiram a operação
diversas vezes. Assim como havia começado o tiroteio cessou e os dois sairam
rapidamente do local.
Na estrada, o coronel havia sido atingido na coxa
direita, pois vinha sentado ao volante. O projétil atravessou o parabrisas
estilhaçando-o e ferindo o coronel. Os demais projéteis atingiram os pneus, o
radiador, o capô e um vidro traseiro. Mesmo ferido Onofre conseguiu parar o
veículo. Vinha reduzindo a velocidade devido à proximidade da curva, o que
facilitou a parade, evitando uma possível colisão ou a saída da estrada. Os
empregados saltaram e se protegeram atrás dos veículos, pondo-se a revidar, mas
os atacantes já haviam ido embora. Verificaram o estado dos veículos,
constatando que apenas um dos jipes tivera o radiador perfurado, vazando o
líquido refrigerador.
Um dos empregados assumiu o volante do carro do
coronel e este foi levado rapidamente ao hospital na cidade, depois de davem
meia volta. Enquanto ocorria o atendimento do ferido, o chefe dos empregados
foi até a delegacia de polícia. Não tardou e uma equipe de agentes se fez
presente, tomando os depoimentos prévios. Depois o grupo todo foi até a
delegacia formalizar a queixa. O delegado determinou que uma equipe de
policiais seguisse até o local do ataque, onde o jipe danificado ficara aos
cuidados de dois dos empregados. Dois empregados iam com eles, enquanto os
outros dois levaram a familia para um hotel. O veículo precisava ter o
parabrisas substituido, o que demoraria algum tempo. O ferido descansaria até o
momento em que pudesse retornar para casa.
Não existia em princípio nenhuma pista, apenas o fato
de os tiros terem partido do alto do penhasco. Os policiais subiram por um
trilho existente e encontraram as cápsulas dos tiros, jogadas no local. Os
agressores não haviam tomado a precaução de coletar esses vestígios, que
serviriam de provas em eventuais perícias de armas encontradas. Encontraram os
sinais por onde o(s) agressor(es) havia(m) fugido e seguiram até o lugar em que
o carro ficara. Uma marca de pneus patinando no chão seco mostrava a pressa com
que haviam saído dali. Um deles portava uma camera fotográfica e tirou umas
fotos dos rastos deixados na beira da estrada. O tipo de pneu serviria para
incriminar quem praticara o atentado.
Depois de coletar todas as informações, suspeitas e
indícios os policiais retornaram para a delegacia. Os empregados usaram o
segundo jipe para rebocar o outro até a cidade. Precisavam trocar o radiador,
pois o outro ficaram bastante avariado. Quando o sol estava perto do horizonte,
o grupo ainda receoso, iniciou o retorno para casa. Por precaução um carro da
polícia os precedeu até ao patio da fazenda. Chegaram sem novidade e a equipe
de policiais retornou à cidade. Tinham em mãos um caso típico de uma ação de
vingança ou execução. Os dados para elucidar o crime eram vagos. O indicio mais
forte, era a desconfiança em relação ao vizinho. Mas isso não permitia nenhuma
conclusão. Antes de retornar, o mais antigo dos agentes sugeriu que passassem
pela fazenda do vizinho. Certamente ele não estaria esperando uma visita a essa
hora.
Foram até lá e ao chegarem encontraram uma caminhonete
parada diante da casa principal da propriedade. O policial das fotografias
passou perto do veículo estacionado e teve a curiosidade de focalizar sua
lantern nos pneus. Sua surpresa foi grande ao ver a forma dos pneus. Conferia
com a marca vista na estrada. Chamou o chefe e lhe mostrou sua observação.
Olharam detidamente e depois chegaram perto da casa. Nesse momento dois homens
saiam e se encaminhavam para a caminhonete. O policial teve um lamapejo e
falou:
- Voces dois podem me responder uma pergunta?
- Sim senhor! – falou o mais alto.
- Onde vocês estavam hoje por volta do meio dia?
- Nós estávamos em casa, na Vila Santa Rita. Por quê?
- Por acaso não estavam na estrada, naquela curva
perto de Sete Lagoas, onde tem um penhasco?
- Nem sei onde fica essa curva, doutor.
- A gente nunca vai a Sete Lagoas. Trabalhamos na vila
mesmo.
- Me mostre os documentos pessoais e do carro.
- Mas que é isso agora?
- Se não tem o que temer, por que não pode mostrar?
- Isso é abuso. Nós não fizemos nada.
- Apenas uma verificação de rotina, amigo.
Os outros agentes ficaram estratégicamente
posicionados. Jerônimo chegara à varanda e observava a cena. Quando viu os
homens apresentarem os documentos, gelou. Se os policiais ligassem os dois ao
atentado, estaria perdido. Pensou em algo a fazer e optou por retroceder para o
interior da casa. Aparentemente não havia sido visto. Ficaria espiando pela
fresta da janela para ver o que aconteceria. Os documentos foram observados,
anotados os nomes e número dos mesmos. Foi quando chegou o momento de examinar
os documentos do veículo que ficou evidente que se tratava dos agressores. O
documento constava em nome de um conhecido infrator, frequentemente envolvido
em atos de desordem e violência.
- Por quê estão com esse carro? Trabalham para o dono?
- Nós pegamos emprestado.
- Muito conveniente isso. Esse nome é bem conhecido
nosso. Estamos invetigando um crime e esse carro tem o mesmo tipo de pneu das
marcas encontradas perto do lugar. Para piorar estão no patio de uma pessoa
suspeita.
- Não temo nada a ver com essa encrenca. Viemos tratar
de um serviço com o dono da fazenda.
- E que serviço é esse? Não seria fazer uma tocaia ao
Coronel Onofre?
Ao ouvir isso um deles olhou significativamente para o
outro. Vendo o olhar, o agente deu voz de prisão aos dois e ordenou aos
auxiliares que os algemassem. Foram colocados no banco traseiro do veículo sob
a guarda dos dois policiais. O agente que comandava foi até a varanda,
chamando:
- Ó de casa!
Jerônimo chegou à porta e perguntou:
- O que se passa? O senhor é de onde?
Mostrando a sua credencial, falou:
- Sou o detective Arthur da Silva e estou procurando
suspeitos de um atentado contra o coronel Onofre, seu vizinho. Esses dois
homens que sairam agora mesmo de sua casa estão sendo levados à delegacia para
interrogatório. O senhor tem alguma coisa a ver com o caso?
- Mas de onde lhe vem essa idéia, policial?
- Eu apenas estou perguntando. O carro que os dois
estão usando é de um bandido conhecido, tem pneus iguais às marcas deixadas na
estrada perto do lugar do atentado e demonstraram sinais de medo quando os
questionei agora pouco.
- Eles vieram aqui em busca de trabalho e eu não estou
precisando.
- Fique de sobre-aviso, senhor Jerônimo. O senhor é
suspeito de ser o mandante do atentado. Dependendo do resultado das
investigações, vamos lhe chamar e é bom não se ausentar nas próximas semanas.
- Essa agora! Tenho minhas pinimbas com o vizinho, mas
não sou bandido. Tenho nada com isso.
- Vamos averiguar. Se não tiver nada a ver mesmo, nada
tem a temer. Boa noite, senhor Jerônimo.
Desceu da varanda e foi até o carro, ordenando a
partida. Um dos policiais dirigiu a caminhonete que estava em mãos dos detidos.
Foram direto para a delegacia, sem se demorarem. Levavam a suspeita de que o
fazendeiro faria alguma coisa para resgatar os dois. O comandante do grupo
estava convicto da culpabilidade dos dois. Todavia chegaram à delegacia sem
problemas. Mal sabiam que pouco atrás havia chegado o carro de Jerônimo, que se
dirigiu direto à casa do advogado. Expôs rapidamente o caso, omitindo a questão
de seu envolviemnto. Pediu que fosse impetrado um habeas corpus o mais rápido
possível. Ficou sabendo que dificilmente esse mandado seria conseguido antes do
almoço de sábado. O juiz de plantão para atender essas emergências era o mesmo
encarregado da ação de Onofre contra Jerônimo. Era capaz de associar uma coisa
e outra e a situação se complicaria.
- Eu falei ao senhor! Não tome nenhuma attitude
precipitada! Mas parece que quer saber mais do que eu.
- Não tenho nada a ver com isso. São meus conhecidos e
vim para ajudar. Eles são inocentes.
- Tem certeza disso?
- Não posso jurar, mas eles estavam lá em casa pedindo
trabalho e nisso os policiais chegaram. Cismaram com eles e os trouxeram para a
delegacia.
- Se não tem o que temer, mais tardar amanhã meio dia
estão na rua. Se tiverem a ver com o atentado, o caldo entorna seu Jerônimo.
- Providencia logo esse mandado. Eu pago o que
precisarr. Peça para o delegado estabelecer a fiança!
- Vou tentar, mas não garanto nada. Acho bom o senhor
ficar aqui, bem quieto e esperar minha volta. Nem pense em aparecer na
delegacia, pois isso irá implicá-lo no caso.
- Não perca tempo doutor. Eles precisam sair daquela
delegacia o quanto antes.
O advogado percebeu que o cliente estava envolvido até
o pescoço na questão. Do contrário não estaria tão nervosa. Como isso iria lhe
render bons honorários, foi fazer o que precisava. Antes ligou para o juiz para
saber se poderia ser atendido antes do amanhecer e ficou sabendo que o
meritíssimo estava em uma festga e voltaria mais tarde. Não era bom palpate
incomodar tarde da noite. O homem ficava uma arara quando isso acontecia. O
jeito era ir até a delegacia tentar convencer o delegado a soltar a dupla. O
quanto antes pudesse fazer isso, aumentaria a chance de não fazerem eles cantar
até o que não sabiam. Conhecia bem a habilidade dos invertigadores vindos
recentemente. Eram capazes de fazer um defunto falar, quanto mais dois vivinhos
da silva.
Deixou Jerônimo sentado em seu gabinete doméstico,
diante de um litro de whisky e café numa térmica. Ele que servisse o que
quisesse, pois a conta seria salgada depois. Sem hesitar dirigiu-se
resolutamente à delegacia para avistar os detidos. Ao chegar ali, verificou que
a repartição estava movimentada. Isso era visível pela presença do carro do
delegado em pessoa. Teria que tomar cuidado com as palavras para não arrumar
encrencas para seu lado. Frequentemente precisava da boa vontade das
autoridades e uma palavra errada, dita no momento indevido, podia causar um
grande estragon nesse relacionamento.
Chegou ao balcão da recepção e perguntou ao agente que
ali estava de plantão:
- O Delegado Demétrio está aí?
- Está sim, doutor. Qual é o problema que o traz aqui?
- Fui avisado que dois clientes meus estão detidos e
vim assistir aos depoimentos deles.
- Aguarde um momento por favor.
Levantou o telefone, discou um número e logo falou com
alguém, certamente em outra sala.
- Doutor Delegado!
- Fala, Douglas.
- Está aqui o doutor Estevão. Ele quer falar com os
detidos!
- Mande ele aguardar. Estamos terminando com eles
dentro de cinco minutos.
- Certo, chefe. Vou avisar.
Desligou o aparelho e voltou-se para o doutor Estevão,
dizendo:
- O Delegado já vail he receber. Espere um minute.
Quer um café?
- Obrigado. Não quero tomar café a essa hora. Me dá
dor de cabeça.
- Sente-se um pouco.
Estevão fez menção de ir para a área interna da
delegacia, sendo impedido pelo policial.
- O senhor não pode entrar antes de receber
autorização para isso. Faça o favor de sentar-se.
- Mas eu tenho pressa de falar com os meus clientes.
- Quem foi mesmo que lhe contratou, doutor Estevão?
- Eles mesmos.
- Se eles foram detidos na fazenda do seu Jerônimo e
vieram diretamente para cá. Como eles puderam lhe avisar?
- Acontece que eu sou advogado do fazendeiro e ele me
avisou por telefone. Vim atender a eles, pois tenho outras causas em que autuo
a favor deles.
- Entendo, doutor.
Sentou-se e fez de conta que lia uma revista aberta
sobre a mesa, mas os olhos vigiavam o advogado. Era melhor que ele se
mantivesse quieto ali, salvo se quisesse arrumar encrenca. Enquanto isso, o
delegado separara os dois detidos, colocando ambos sob os cuidados de
interrogadores diferentes. Em dado momento um outro agente entrou numa sala dizendo:
- Pode confessar, amigo. Seu parceiro já deu todo o
serviço.
- O quê? Aquele desgraçado abriu a boca.
Sem dizer mais nada o agente saiu e foi dizer ao
delegado:
- A artimanha acaba de funcionar. O pássaro cantou
legal. Foi dizer que o parceiro havia dado o serviço, ele ficou revoltado e
perguntou se o outro tinha aberto o bico.
- Quer dizer que encontramos os dois mais depressa do
que poderíamos imaginar. E pelo visto aquele fazendeiro está envolvido nisso.
- É o que iremos ver. Agora os colegas podem apertar
bem e logo saberemos toda a verdade.
Em poucos minutos os dois interrogadores vieram, quase
ao mesmo tempo, com largo sorriso no rosto. Tinham em mãos a confissão complete
dos dois, apenas cada um dizia que for a apenas servir de motorista. O colega fora
fazer a tocaia.
- Notável isso. Depois que a casa cai eles tentam
incriminar um ao outro. Não se faz mais bandido como antigamente.
- É Doutor. Na hora do pega para capar, salve-se quem puder.
- Vamos tomar o depoimento deles para não voltarem atrás.
Tem um advogado aí na porta para falar com eles. Deve ter alguém no comando.
Aposto meu soldo que isso é obra do fazendeiro onde eles foram encontrados.
- Eles não disseram ainda, mas dá para deduzir sem
problema.
- Aperta um pouco e tira o resto do suco. Enquanto isso
eu vou conversar com o advogado. Dou uma trovada nele até vocês terminarem o
serviço.
Chamaram um escrivão e foram tomar os depoimentos. O delegado
saiu até a portaria e fingiu surpresa com a presença do advogado.
- Boa noite, doutor Estevão! Tudo bem? E que lhe posso
ser útil?
- Eu vim conversar com dois clientes meus que estão
detidos. Preciso encaminhar um habeas corpus logo cedo e tenho que saber
detalhes para elaborar o documento.
- Só um momento. Estamos remanejando uns pássaros aí
dentro e logo lhe coloco diante dos seus clientes. Enquanto isso, venha até
minha sala e conversamos um pouco.
Não tendo alternative, doutor Estevão entrou e sentou
na poltrona diante da escrivaninha que o delegado lhe apontou. O assento parecia
ter espinhos e não conseguia parar quieto. Ouviu o delegado dizer:
- O que o deixa tão inquieto doutor?
- Estou com uma dor incômoda na coluna e isso me faz
procurar uma posição melhor.
- Sei como é isso.
- Preciso procurar um médico na semana que vem. Isso
está me deixando maluco. Pior que tenho uma montanha de processos para atender
e não sobra tempo para cuidar da saúde.
- Mas se não se cuidar, vai chegar uma hora em que não
terá mais condições de levantar. Tem que se tratar.
Nisso o agente veio até a porta e faz sinal ao
delegado. Os depoimentos estavam tomados e devidamente assinados pelos dois
detidos. Agora haviam sido colocados na mesma sala e tinham se lançado olhares
furiosos mutuamente. Sinal de que se sentiam traídos pelo companheiro.
O advogado foi levado à presença dos dois e passaram a
conversar sigilosamente. Ao ouvir a troca de acusações entre eles viu que
chegara tarde. Nada mais poderia fazer. Tanto os dois como o fazendeiro estavam
mais enrolados que novelo de linha. Determinou aos dois que não falassem mais
nada sem a sua presença. O estragon feito já era grande o suficiente. Não
precisariam dizer mais uma palavra para complicar. Falou-lhes que teriam que
aguardar para ver se conseguiria encontrar uma maneira de eles responderem ao
processo em liberdade. Não sabiam ainda que o coronel Onofre nada sofrera além
de uma perfuração dos músculos da perna e já estava em casa. Se ele tivesse ido
a óbito, o problema ficaria muito maior. O envolvimento de Jerônimo com o
atentado, complicava tudo. O processo do litígio da divisa estava para ser
julgado e provavelmente o delegado informaria ao juiz sobre o caso, quando
desse entrada no habeas corpus. A chance de êxito era minima.
Voltou para casa e comunicou ao cliente tudo o que
havia ocorrido. Determinou que ele voltasse para casa e não andasse por aí, sem
ser chamado. Qualquer coisa seria motivo para sua prisão. Se o procurassem em
casa, deveria ficar oculto, deixando o automóvel em algum lugar for a de vista.
Enquanto isso tentaria manobrar, mexer os pauzinhos, para conseguir livrá-lo da
cadeia antes do julgamento. Mandaria notícias assim que pudesse.
Jerônimo obedeceu e voltou para casa. Ia se
recriminando pela sua imbecilidade em se deixar levar pelos sentimentos de
vingança. Se tivesse mantido a cabeça fria, estaria agora perto de infligir uma
derrota ao vizinho, como o doutor Estevão lhe garantira.
Agora não restava alternativa. Teria que aceitar que
estava em dificuldades e não agravar mais a situação.