As entrevistas prosseguem.
Nos próximos três dias,
a rotina seguiu, apenas houve um dia em que compareceu a dois encontros pela
manhã e dois à tarde. Os estilos e tamanhos dos escritórios variavam de
conformidade do gosto do(s) dono(s), e se ajustavam à disponibilidade financeira
também. Entre as propostas havia de tudo. Desde as que lhe propunham algo pouco
acima de um trabalho escravo e sem perspectivas de crescimento. Havia também quem
propusesse algo que estava evidente ficara acima das possibilidades. Ficou na dúvida
na motivação que determinara isso, mas por prudência separou as duas que lhe
pareceram for a da realidade. Igualmente descartou imediatamente as que não
mereceriam o esforço de serem analisadas. Feito isso restaram seis. Cinco eram
praticamente equivalentes, e uma delas trazia em si um diferencial
significativo.
Fez uma análise
criteriosa das outras cinco, deixando essa para o fim. Estabeleceu um paralelo
entre elas e verificou que, salvo ligeiras variações, as propostas eram
basicamente iguais. Qualquer uma delas não seria de modo algum desprezível para
qualquer candidato a trabalho, recém formado bacharel como era seu caso. Por
fim dedicou-se a estudar detalhadamente a última que sobrou. O que ela trazia
de diferente das demais não era no tocante aos valores de ganhos em sim, mas na
parte que se referia às perspectivas de crescimento dentro da hierarquia da
empresa. Era deveras tentador imaginar que, se tudo corresse bem, em alguns
anos estaria ocupando uma sala ampla, tendo sob suas ordens auxiliares,
comandando uma pequena equipe de advogados iniciantes. Poderia estar defendendo
causas na cidade como nas vizinhas, bem como na capital Belo Horizonte.
Depois de anotar
detalhadamente as vantagens de cada proposta, foi sentar-se com os pais e a irmã
após o jantar e lhes apresentou suas conclusões. Queria saber a opinião de
todos e eles lhe disseram o que pensavam. Em linhas gerais as opiniões eram
condizentes com as próprias observações, apenas ligeiras divergências, que
vistas do ponto de vista de cada um pareciam mais ou menos relevantes. Todavia,
a proposta mais tentadora era realmente aquela que do princípio lhe parecera a
melhor. Houve unanimidade na indicação dela como a melhor opção. Era no entanto
necessário cuidado na assinatura do contrato de trabalho, para não cair em uma
armadilha, algo bastante comum em situações análogas.
Depois de uma intense troca
de ideias e opiniões, sugestões diversas, José Silvério decidiu que escreveria
uma carta educada a cada escritório, agradecendo a proposta recebida e deixando
em aberto a possibilidade de futuramente voltar a fazer contato. Havia encontrado
outra colocação que lhe parecera mais vantajosa e aceitara. Era importante
manter-se em bons termos com os colegas de categoria. Iriam se defrontar nos
tribunais, acusando, defendendo esse ou aquele cliente. Qualquer animosidade
gratuitamente granjeada poderia ser nociva nessas ocasiões.
Dedicou a manhã
seguinte à redação das respectivas cartas, sobrescreveu cada envelope
caprichosamente, fechou e selou. Após o almoço depositaria cada uma delas no
correio e levaria aquela da proposta escolhida em mãos ao escritório.
Passara-se uma semana nesse afã de comparecer às entrevistas e analisar as propostas,
até tomar sua decisão. Havia deixado combinado um prazo de até sete dias para
isso e portanto não estava for a disso. Se tudo corresse como o esperado, em
questão de um ou dois dias estaria trabalhando. Começaria a escalada na carreira
de advogado, coisa que sempre sonhara desde sua adolescência, depois que tivera
oportunidade de assistir a parte de um julgamento. Aquele ritual todo o
encantara e ainda lhe causava arrepios cada vez que adentrava a sala de um
tribunal. Apesar de ter estado em inúmeras ocasiões presente a novos processos
no correr dos anos de faculdade.
Passada a hora do
almoço, colocou em uma pequena valise os envelopes que colocaria no correio,
vestiu uma roupa discreta e foi desincumbir-se do que se propusera naquela
tarde. Era segunda feira. A agência dos correios não ficava muito longe e em
pouco tempo as cartas estavam despachadas, pois já as havia trazido seladas. Depois
seguiu até próximo à praça principal, não longe do forum, onde estava instalado
o escritório da empresa de advocacia Sete
Lagoas Advogados Associados S/C. Ali chegando entregou à recepcionista o
envelope e ela, ao reconhecê-lo, falou:
-
O doutor Onofre pediu que, se o senhor viesse,
aguardasse um pouco pois ele deseja lhe dizer umas poucas palavras.
-
Não tem problema. Tenho tempo e posso aguardar o tempo
necessário.
-
Ele está atendendo um cliente, mas em poucos minutos
irá atendê-lo.
Sentou-se em uma confortável poltrona e ali ficou
aguardando o momento de falar com o diretor da empresa. Pôs-se a folhear uma
revista de direito que se encontrava num suporte apropriado e leu notícias
recentes. Eram novidades dos últimos julgamentos e sentenças exarados nos
tribunais da região e capital
Passaram-se pouco mais de vinte minutos e uma porta se
abriu, dando passagem a um homem com aspecto de empresário bem sucedido, talvez
um fazendeiro endinheirado residente na cidade. Quem o acompanhava era o doutor
Onofre. Tão logo se despediram, o doutor Onofre o viu e logo o chamou pelo
nome.
-
Pode entrar doutor José Silvério.
Ele não se fez de rogado. Apenas estranhou o fato de
ser chamado logo pelo nome. Pelo visto o entrevistador ficara bem impressionado
com o candidato e passara as informações ao chefe ou recomendara descartá-lo.
Essa última possibilidade era remota, pois nesse caso o diretor não tomaria a
seu cargo fazer essa tarefa pessoalmente. Restaria aguardar e enquanto isso
suar frio por um momento até o veredito.
-
Sente-se doutor José.
-
Obrigado doutor Onofre. (Guardara bem o nome para não
esquecer).
-
Como tem passado?
-
Bastante atarefado em comparecer a várias entrevistas,
analisar as propostas e tomar decisão.
-
E qual foi sua decisão? Vai trabalhar com a gente?
-
Acabo de entregar a carta de aceite à recepcionista.
Se quiser posso pegar com ela.
-
Deixe que eu mesmo peço para ela trazer.
Levantou o interfone e falou à recepcionista,
ordenando que lhe trouxesse a carta que José Silvério deixara em suas mãos. Em
segundos a porta se abriu e a funcionária entrou trazendo o envelope, que
entregou ao doutor Onofre.
Tomando de um instrumento apropriado, cortou o lado
certo e de dentro retirou uma folha de papel, onde estava declarado por José
Silvério o aceite da proposta recebida para trabalhar no escritório que Onofre
dirigia. Depois de ler atentamente a carta, doutor Onofre falou:
-
Seja bem vindo ao nosso grupo. Sua qualificações são
as melhores possíveis, suas respostas na entrevista deixaram excelente impressão
e além do mais, um de nossos sócios conhece seu pai há muitos anos. Trata-se do
doutor Carlos Oliveira. O pai dele é cliente do comércio de seu pai.
-
Acho que conheço. Estava cursando direito quando eu
ainda estava no secundário.
-
É provável que sim e as recomendações dele não
poderiam ser melhores.
-
Fico contente em que tenham gostado de minhas
qualificações e também da minha maneira de encarar a vida.
-
Já temos um lugar reservado para seu começo. Como
ainda não tem registro da OAB, vai atuar como assistente dos advogados em
atividade. Em princípio vai atuar mais diretamente sob as ordens do doutor
Carlos Oliveira, mas eventualmente posso requisitar seus préstimos, assim como
os outros colegas. Vai ter bastante trabalho. Isso garante pelo menos que não
irá se aborrecer.
-
Quando devo começar?
-
Amanhã é um bom dia. Hoje já está chegando ao fim do
dia. Mas esteja aqui amanhã às 8 horas e vamos lhe mostrar o que fazer.
-
Obrigado e prometo me esforçar para não decepcionar.
-
Tenha uma boa tarde, doutor José.
-
Igualmente, doutor Onofre.
Deixou o escritório, deu adeus à secretária e saiu
para a rua.
Foi assim que o bacharel em direito, José Silvério da
Silva, começou a dar os primeiros passos na profissão de advogado. Enquanto
adquiria prática atuando como assistente dos advogados que trabalhavam no
escritório, foi se preparando para realizar o exame da OAB. Só depois poderia
atuar individualmente, tornando-se responsável por causas. Ter a seu serviço um
assistente e secretário, o que não ocorria no começo. Sonhava com o dia em que
teria seu próprio gabinete. Uma sala onde teria a seu dispor todos os
requisitos de conforto e privacidade para tratar com os clientes que lhe fossem
destinados.
Os bons resultados obtidos na universidade lhe valiam
o respeito dos patrões e também dos colegas de trabalho. Isso era um grande
passo. Teria tempo para galgar os degraus sucessivos da profissão. Não lhe
faltava ambição para tanto e nem tampouco capacidade para deslindar os mais
complexos meandros do direito processual brasileiro. Por vezes era preciso ser
um verdadeiro desvendador de labirintos, para conseguir enxergar claro no
cipoal de leis, decretos e normas a serem seguidas. As precedências e mesmo
algumas contradições tinham que ser harmonizadas para o bom andamento dos
trabalhos.
Os meses correram acelerados, ocupado que estava com
sua preparação para a prova da OAB e o trabalho de análise dos processos,
redação de pareceres, nem se deu conta e estava às vésperas da realização da
prova. No dia marcado, lá estava ele, como nos tempos da universidade, nervoso,
as mãos suadas. Estava enfrentando o momento decisivo em sua vida. Sem o
registro da OAB não seria um advogado de verdade. Só poderia defender os
clientes diante do juiz ou dos jurados, quando tivesse sido aprovado nesta prova.
Tinha que manter a calma, por em uso tudo o que havia aprendido e a experiência
adquirida durante os meses no escritório.
Aguardou com ansiedade a publicação do resultado.
Quando encontrava com outros candidatos que haviam feito a mesma prova,
aproveitava para trocar ideias, discutir respostas às questões que considerava
mais polêmicas, em especial as que tinham que ser respondidas por escrito. No
dia em que soube da publicação do resultado, correu para a primeira banca de
jornais e comprou um exemplar onde buscou avidamente a página em que estavam
estampados os nomes dos aprovados. Já estava à beira das lágrimas, quando
finalmente viu o seu nome estampado na lista dos aprovados. Soltou um grito de
alegria, assustando as pessoas que se encontravam ao seu redor. Houve quem lhe
indagasse o que significava aquela euforia. Meio atabalhoadamente lhes mostrou
o título da matéria e seu nome estampado na lista.
Em seguida encaminhou-se apressadamente para o
escritório. Queria compartilhar com os colegas e em especial com os seus
contratantes. Agora seria questão de dias para que tivesse em seu cartão de
visitas impresso o número de registro na OAB. Seria um advogado em todos os
sentidos, não apenas um bacharel em direito. Teria oportunidade de exercer a
profissão para a qual tão arduamente se preparara. Gostava do glamour da
profissão, mas principalmente, amava a justiça. Iria envidar todos os esforços
para que sempre se fizesse o que a lei estabelece e o que o bom senso manda.
Foi parabenizado
efusivamente pelo escritório inteiro, a começar pelos sócios e terminando nas
faxineiras e serventes. Ligou para o pai, para lhe informar da novidade. Ao saber da notícia, o Sr. Pedro, não conteve
as lágrimas, correu ao encontro da esposa para lhe contar a boa nova. Deixou o
estabelecimento por algum tempo aos cuidados dos empregados e foi encontrar com
o filho. Precisava dar nele um abraço. Antes de sair pediu à cozinheira a
preparação de uma refeição especial para o almoço. Queria comemorar em família,
a conquista do filho.
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