Rodoferroviária de Santiago. |
Praça Getúlio Vargas em Santiago-RS. |
Batalhão de logística em Santiago. |
Novidades II
Os minúsculos alevinos colocados nos arrozais,
funcionando como açudes ou tanques de criação de peixes, em poucas semanas
estavam com o tamanho multiplicado de modo fantástico. Eram agora visíveis aos
cardumes percorrendo os intervalos entre as plantas de arroz, comendo aqui, ali
e deslocando-se igual riscos brilhantes ao sol. Foram inúmeros os visitantes a
virem ver conhecer a mais recente curiosidade de que havia ouvido falar. Ao
verem os peixinhos ficavam se indagando qual teria sido o tamanho com que
tinham sido colocados ali. Ao lhes ser informado serem há poucas semanas do
tamanho que os tornava quase invisíveis, custavam a acreditar.
Na ocasião do Natal as obras de engenharia estavam
chegando à metade do tempo previsto no total. Se o clima ajudasse, isto é, não
chovesse excessivamente, para final de janeiro, início de fevereiro estariam
prontas. Nessa ocasião seriam entregues as máquinas e feita sua instalação. As
tubulações de água e esgoto estavam em fase de conclusão. A área de pastagem na
outra margem do rio estava sendo preparada. O capim seria plantado ao mesmo
tempo da forrageira encarregada de fornecer o volumoso para o primeiro inverno.
As cercas estavam sendo construidas, utilizando-se palanques feitos de
concreto, em substituição aos tradicionais de madeira. Como essa estava ficando
escassa, o uso do concreto crescia ano a ano. Tinha além de tudo a vantagem de
resistir à corrosão ou apodrecimento.
Gaudêncio passou o Natal e Ano Novo em Porto Alegre,
tendo aproveitado para conhecer o litoral nos dias entre as duas datas. A
família do general aproveitava um hotel mantido pela associação dos militares
para seus membros. O custo da estadia ficava bem mais em conta, além de
contarem com a segurança garantida por uma pequena guarnição military. Ficava
sediada ali, em forma de rodízio entre as várias unidades do exército sediadas
na região. Voltou bastante bronzeado, causando espanto entre os demais
habitantes da fazenda. Era habitualmente Moreno mas aqueles dias na praia
haviam deixando em sua pele um tom bem mais acentuado de bronze.
Durante aqueles dias a intimidade entre ele e Ângela
havia aumentado sensivelmente. No entanto, quando ele percebeu, um gesto mais
ousado despertou uma reação inesperada da moça. Afastou-o suavemente e o olhou
de frente:
- Meu amor, você é o homem com quem quero dividir
minha vida. Eu te amo muito, mas, aprendi uma coisa em minhas andanças pelo
país de norte a sul, onde meu pai era transferido. A mulher precise se tornar
menos dependente do homem, precise lutar por seus direitos, inclusive o direito
de escolher o dia em que irá se entregar ao homem escolhido. Desde muito tempo
decidi que, vou me deitar com um homem, apenas depois de casar. Por isso, se
você quiser continuar comigo, precise aceitar isso. Do contrário, terminamos
aqui, antes que cheguemos a um ponto em que seja mais difícile.
Gaudêncio foi tomado de surpresa. Não tivera intenção
de faltar com o respeito, apenas um gesto de carinho mais íntimo. As palavras
firmes de Ângela, calaram fundo em sua alma. Sabia agora claramente que tinha
diante de si uma mulher de valor. Se soubesse merecer seu amor, teria uma
companheira para o resto dos seus dias. Deixara bem claro qual era sua posição.
Pensou um pouco e falou:
- Querida Ângela! Eu lhe amo demais, para fazer
qualquer coisa que possa magoá-la. Vou lhe mostrar que sou digno de seu
respeito e admiração. Saberei esperar o momento para sermos marido e mulher,
dividirmos nossas vidas em todos os sentidos. Vou querer ter uma porção de
filhos.
- Quer dizer que você falou sério ao meu pai que não
me queria para carreira, só para umas crias?
- Meu bem, me perdoe. Aquilo foi uma desculpa para que
seu pai não me botasse para correr sem ao menos ter falado com você.
- E quem quase lhe pôs para correr fui eu. Onde já se
viu uma coisa dessas. Eu não sou uma potranca que você emprenha e espera ela
criar.
- Que coisa mais infeliz eu fui dizer naquela hora.
Poderia ter posto tudo a perder.
- Na hora eu pensei: vou mostrare a esse gaudério
grosso quem vair dar umas crias a ele aqui.
- Mas depois mudou de ideia, não mudou?
- Se não tivesse mudado, nós não estaríamos aqui
conversando, seu bobo.
- Sorte minha. Quase eu entorno o caldo todo.
Era tarde e a temperatura amainara. Era hora de irem
dormir. Um beijo prolongado selou aquele momento de amor e amizade. Ardiam de
desejo um pelo outro. Porém era preciso serem cautelosos e não deixar seus
impulsos leva-los a um ponto em que não saberiam mais resistir. Tinham um
objetivo. Formar uma família e viverem felizes por longos anos, se Deus assim
permitisse.
- Eu sei que vocês homens sentem necessidade de
deitarem com uma mulher de vez em quando. Vou entender se você não arrumar
encrenca, sabe. Deixar alguém gravida por aí, isso eu não aceito.
- Obrigado por sua compreensão. Mas pensando em você,
não tenho vontade de estar com nenhuma outra.
- Só não vou aceitar mais nada disso depois que
casarmos.
- Nem teria mais sentido, minha prenda.
- Quem avisa amigo é e não merece castigo. Depois não
vale dizer que não sabia ou coisa assim.
- Estou bem avisado. Pode deixar que não vou esquecer.
- Durma bem, amor.
- Você também e sonhe comigo.
Foram para seus quartos e dormiram a noite inteira.
Cada um em sua cama acalentava o dia em que estariam juntos, casados e poderiam
se amar com toda liberdade. As cartas tinham sido postas na mesa e o jogo
aceito. Acaso Gaudêncio não concordasse com o que Ângela propusera, estaria
agora se encaminhando para um hotel ou outro lugar, talvez rumando para casa.
Realmente, suas palavras naquela manhã em que vira da praça em frente aquele
vulto de mulher, seu coração disparou e ali mesmo disse para si mesmo: Essa vai
ser minha mulher. Cumpriria a risca essa decisão e, no que lhe dizia respeito,
não havia até o momento motivos para arrependimento.
A manhã seguinte era a última que estariam na praia,
pois à tarde retornariam a Porto Alegre. Tinham combinado passar a noite de Ano
Novo com os amigos do general na sede urbana do clube de oficiais. Nessa
ocasião seria feita a apresentação do candidato a gênro do comandante da região
militar aos membros do alto oficialato da capital. Provavelmente naquele lugar
estaria reunida a maior coleção de dragonas estreladas em muitos quilômetros ao
redor. Muitos provavelmente estariam em trajes civis. Alguns porém fariam questão
de irem em seu fardamento de gala.
Chegaram pelo meio da tarde. Como não iriam permanecer
em casa, não havia preparativos a fazer para comemoração. Isso ficava a cargo
dos servidores do clube, comandados pelos membros da diretoria. Houve tempo
para um prolongado cuidado com a aparência. As mulheres, mãe e filha, ficaram
no caminho de casa em um salão de beleza para passarem por uma sessão de
pedicure/manicure, além de um penteado no cabelo. Quando chegaram em casa os
dois, general e Gaudêncio estavam terminando de tomar banho e fazer as barbas. Havia
tempo para tomar umas cuias de mate, poise les se vestiriam em poucos minutos,
coisa que as mulheres demorariam pelo menos uma hora, se não mais.
Gaudêncio não fez comentários, pois, apesar de
apreciar sua amada ao natural, sem nenhum enfeite ou adereço, precisou
reconhecer que ela estava esplendorosa. Um penteado bem trabalhado a deixara
com ares de rainha. Seria notada de longe em qualquer lugar. À sua natural
estatura acima da média, somava-se sua beleza em que se misturavam traços
espanhóis com um leve toque mouro. Isso tudo formava um conjunto incomparável. Os
dois se entretiveram tomando mate e falando amenidades enquanto viam na TV as
notícias sobre a chegada do Ano Novo nos países orientais, onde agora eram 7/8
horas da manhã de primeiro de janeiro de 1978.
- Vocês vão ficar aí mateando até quando? Nós estamos
quase prontas. Andem, vão se vestir de uma vez.
Levantaram e foram cumprir a ordem recebida. Haviam esquecido
de colocar o vestuário apropriado. O calor forte não convidava a se encher de
roupas. Quanto menos melhor. Tinham que fazer um tributo ao novo ano que se
iniciaria em poucas horas. O pior de tudo era a gravata e Gaudêncio se
perguntava por que diabos não poderia vestir sua roupa de gaudério, uma
bombacha folgada, com a bota, um lenço Colorado no pescoço. Seria bem mais
confortável que a camisa impecavelmente branca, apertada no pescoço e por cima
a gravata com aquele nó complicado. Sempre se atrapalhava. O lenço era tão mais
fácil de colocar.
Lembrou em tempo, antes de se por a resmungar, de que
não estava nos pagos. Aqui era a casa do general, pai da sua amada e teria que
se mostrar a altura da posição. Apresentar-se de qualquer maneira, resultaria num
falatório danado e não queria causar desgosto à família de Ângela. Com alguma
dificuldade terminou de dar o nó na gravata que Ângela terminou por arrumar, pois
tinha ficado com o nó meio torto. Antes do baile e comemoração da passagem de
ano, haveria o jantar festivo, com início às 22 horas. Estariam terminando de
jantar quando ocorreria a queima de fogos já tradicional em toda parte.
Na chegada houve um sem número de apresentações, era
coronel, tenente coronel, major e mesmo general de perder a conta com suas
esposas, filhas, filhos e mesmo netos. Apertou tantas mãos que não saberia
lembrar quantas foram, mesmo que as tivesse contado uma a uma. Os rostos se
sucediam em rápida sequência, não permitindo ao olhar graver os detalhes e retê-los
na memória. Eles provavelmente lembrariam dele, mas ele não tinha como lembrar
de todos eles. O general ocupava com a família a mesa de honra, com vista
privilegiada para a pista de danças e não muito próxima do palco onde os músicos
afinavam os instrumentos, antes de iniciar sua função.
O jantar foi servido e Gaudêncio se controlou para não
fazer feio diante dos demais convidados. De hábito era bem menos comedido na
hora de comer, todavia a madrinha e também a mãe haviam lhe ensinado os
rudimentos da etiqueta. Assim sabia se portar devidamente nas ocasiões em que
isso lhe era exigido. Mesmo assim sentiu-se um pouco como peixe fora da água. Um
filho de peão de fazenda, entre os oficiais de alta patente do exército, aeronáutica
e marinha. Ângela percebeu que ele estava um pouco encabulado e falou baixinho:
- Relaxa, meu amor. São todos homens e mulheres iguais
ao outros. A única diferença é que os homens usam habitualmente suas fardas. Não
precisa ficar encabulado.
- Confesso que nunca vi tanta estrela junta. Acho que
nem mesmo no céu tem tantas tão perto umas das outras.
- Seu bobo! As estrelas de põe medo? São só uns
pedacinhos de metal pregados no tecido. Nada mais.
- Não é o que são. É o que representam, meu bem.
- Meu pai manda em todos eles, não esqueça.
- Eu sei, mas nunca é bom abusar da sorte.
No momento seguinte começou a queima de fogos e todos
se posicionaram na melhor posição para assistir ao espetáculo. O clube oferecia
uma boa visão de ampla área da cidade, permitindo assistir grande parte do show
de fogos de artifício. Os mais finos champanhes foram abertos e as taças se
encheram. Brindes foram erguidos por todo lado. Por último o presidente do
clube elevou a voz e falou:
- Elevamos um brinde e saudemos o ano de 1978 que
acaba de começar.
- Viva.
E todos beberam um generoso gole da bebida, que estava
extremamente gelado. As taças se umedeciam externamente no mesmo instante que
eram enchidas, devido à condensação da umidade. Enquanto a platéia bebia
comemorando, a banda atacava uma música própria à ocasião. Em seguida alguns
pares iniciaram a dança. Aos poucos mais e mais gente se juntou aos primeiros,
enchendo o salão. Durante mais de 3 h e 30 minutos os momentos em que não havia
pares rodopiando pelo salão foram raros. Apenas nos momentos de um rápido Descanso
dos músicos, afinal ninguém é de ferro. Ao final, cansados de bailar, todos
regressaram aos lares. O domingo traria as comemorações em família.
Qualquer gaucho que se prezasse teria em seu
refrigerador um pedaço de costela para pendurar com um espeto sobre ou ao lado
do fogo. Os acompanhamentos eram a indefectível maionese com batatas,
incrementada de diversas formas. Uns lhe misturavam pedacinhos de bacon frito,
outros colocavam ervilhas, milho verde, cenoura, palmito ou o que mais desse na
veneta de misturar. Haveria muita cerveja gelada, ou vinho dependendo da preferência
dos convivas. As crianças tomariam coca-cola, guaraná champagne antártica,
gasosa, fanta, grapette, mirinda, crush, variando de casa para casa.
A noite passada no baile se refletiu claramente no horário
do primeiro almoço do ano. Grande parte das pessoas conseguiam sentar-se para
essa refeição só lá pelas 3 ou 4 horas da tarde. Era feriado mesmo e ninguém se
importaria. O dia seguinte era domingo, portanto não haveria problema. Tinham mais
um dia para descansar. Só no dia 03 começaria o batente, o pega pra capar. Termiandas
as festas, tudo retomava o ritmo. Olhando bem, nada mudava, com exceção de que
nos documentos redigidos e assinados agora trariam no lugar do ano 1978. O 1977
ficara para trás, fazia parte do passado agora.
Gaudêncio iria se encontrar em Santiago com o padrinho
Joaquim. Iriam ver uma fazenda que dispunha de novilhas prenhes de raça
leiteira para vender. Iriam conhecer os animais e talvez negociar um lote para
reforçar o plantel da fazenda. O negócio havia sido combinado previamente
durante a exposição próxima a Capital. Estando em vias de terminar as obras de
engenharia e posterior instalação das máquinas, era hora de providenciar o
aumento do número de animais. Dali a distância era bem menor, facilitando o
transporte. Embarcou no domingo à noite em um ônibus que o deixaria ao
amanhecer em Santiago. O padrinho também estaria chegando, porém de automóvel.
Rodoviária de Santiago. |
Praça dos poetas em Santiago. |
Luminária da praça. |
Ao descer na rodoviária, olhou para todos os lados e não
viu ninguém conhecido. O padrinho certamente saira há pouco ou talvez ainda
estivesse em casa. Aproveitaria para conhecer alguma coisa da cidade. Primeiro precisava
urgente de um banheiro para lavar o rosto e depois um bar ou lancheria para tomar
café, comer um pão. O estômago estava reclamando. A precaução em não cometer
gafes o levara a comer pouco durante vários dias. Por isso vivia na verdade com
fome. Estava na hora de por o pandulho em dia. Encontrou uma lancheria ao lado
da estação e ali sentou-se a uma mesa. Pediu um bule de café e outro de leite,
acompanhados de bastone pão com nata e queijo. Quando terminou sentiu que tudo
estava voltando ao normal.
Pagou a conta e levantou, se espreguiçando
demoradamente. A mala fora deixada no guarda volumes. Conferiu se a plaquinha
com a chave estava no bolso. Lentamente caminhou até uma praça próxima, onde
alguns pombos passeavam ao sol, comendo algumas migalhas caidas no chão. Entre eles
uma porção de pequenas aves como pardais, rolinhas, canarios da terra, tico-ticos
e uma ou outra corruira disputavam as migalhas. Ao passar alguém o bando
inteiro levantava voo, pousava pouco adiante e logo depois retornavam a faina
de catar o alimento. Alguém o jogara ou deixara cair sem querer, pouco
importava.
Havia na praça uma arborização bem cuidada, canteiros
de flores, um chafariz bem no centro e na base desse um tanque onde alguns
peixes ornamentais nadavam preguiçosamente. Ao vê-los ele lembrou das tilápias
no arrozal. Como haviam crescido. Algumas deviam já ter uns sete ou oito centímetros.
Dava impressão de que tinham recebido uma dose de fermento, de tanto que
cresciam. Quando lhe haviam falado sobre isso tivera dificuldade em acreditar,
mas agora estava vendo que era verdade. Provavelmente ao revê-los teriam
aumentado mais um bom tanto de tamanho.
Em alguns minutos, cerca de 8 h da manhã, ouviu uma
buzina conhecida e olhou na direção de onde vinha. Era Joaquim que lhe acenava
de dentro do carro. Acabara de estacionar e estava desembarcando, vindo ao seu
encontro. Cumprimentaram-se afetuosamente e desejaram Feliz Ano Novo. Joaquim
sentou-se em um banco e espichou bem as pernas. Não estava habituado a dirigir
por distâncias muito grandes. Viera em um tiro só da fazenda até ali. Por sorte
a estrada estava em ótimas condições e gastara pouco mais de três horas para
cobrir a distância.
As curiosidades de ambos os lados foram satisfeitas e
então, Joaquim falou:
- Onde está sua mala? Vamos colocar no automóvel e
depois procurar a fazenda.
- Disseram que é para o sul, cerca de quinze quilômetros.
Mas podemos perguntar ali na lancheria onde tomei café.
- Vamos até lá. Depois botamos o pé na estrada. O compadre
Pedro vai ficar maluco com tanta coisa extra para tomar conta. Desde que você
assumiu como meu herdeiro, ele ficou mais folgado. Agora fica todo atrapalhado
com tudo.
- O papai é do tempo em que se fazia tudo a mão, não
tinha máquinas. Isso tudo deixa a cabeça dele meio balançada.
- Nunca me arrependi de confiar nele quando assume as
rédeas da fazenda com a morte de meus pais e meu irmão. Nunca me faltou em
mometo algum.
- Eu sei padrinho. Apenas ele é do tempo de antes e é difícile
de se acostumar com tanta novidade.
Chegaram ao estabelecimento e Gaudêncio perguntou pela
fazenda Jacutinga. Como haviam lhes dito. A propriedade era amplamente
conhecida e qualquer um na cidade saberia explicar o caminho até lá. O caminho
foi explicado e até a distância conferia no geral. Agradeceu e foi até o guarda
volume buscar sua mala. Cinco minutos depois os dois estavam na estrada, indo
para a fazenda ver os animais. Chegaram pouco depois das 9 h e os animais estavam
todos nas pastagens. Em minutos quatro cavalos foram trazidos e os dois, além
do dono acompanhado por um empregado montaram. Trotaram por cerca de meia hora
e avistaram um lote de uns 60 animais. A prenhez não estava tão adiantada a
ponto de ser muito visível. Nem poderia ser esse o caso. O transporte colocaria
em risco animais em avançado estado de gestação.
Geada cobrindo os campos em Santiago. |
Animais de raça em Santiago. |
Touro Red Angus em Santiago. |
Olharam atentamente, vendo as características que
Maria Conceição recomendara observar. Ela trazia essas informações desde sua avó.
E ela sabia o que dizia. Separaram 40 animais que julgaram ser os melhores em
sua opinião. Teriam certeza somente depois de estarem com bezerro ao pé, dando
leite. Nem mesmo a primeira lactação poderia ser um indicativo final sobre a
qualidade do animal para a finalidade. Todo negócio envolve algum risco. Haviam
seguido à risca o que a comadre Maria falara. Joaquim falou ao dono dos
animais:
- Vamos levar esses quarenta aí, seu José Junqueira. Como
fazemos para levar elas até a estação do trem?
- Eu mando meus peões levar amanhã bem cedo. Chico! Chama
mais uns dois para lhe ajudar e leva elas para a mangueira. Não deixa mais
misturar com o resto.
- O Leão me ajuda a levar elas para o pastinho pequeno
lá perto da mangueira.
Leão era um cão pastor alemão, ensinado e de grande
utilidade no manejo dos animais. Um assobio foi suficiente para trazer o cão
para perto e em instantes os animais em questão estavam indicados a ele. Um
comando de Chico e ele se começou a latir, rodeando as novilhas que, habituadas
à presença do cão, se puseram a caminho, da sede da fazenda. Lá chegando Chico
se adiantou e abriu a porteira, depois ficou de lado e elas entraram
rapidamente. Sem problema, nem correria. Animais de raça leiteira habitualmente
são mais dóceis.
Chegando próximo ao galpão os visitantes e o dono
desmontaram entregando os cavalos a um rapazote encarregado desse serviço.
Seriam desencilhados, limpos e depois soltos no pasto. Enquanto isso os outros
sentaram-se à sombra da varanda, sorvendo chimarrão e tratando da negociação
dos animais. Joaquim havia desembolsado um bom dinheiro no restante das
mudanças e não dispunha do total para pagar à vista. Ter tinha, mas estava
aplicado em depósitos à prazo fixo, fundos de ações. Retirar esse dinheiro
antes do momento certo, significaria perder os juros ou das ações os dividendos
que seriam distribuidos pelas empresas algum tempo após o balanço.
Encaminhara um pedido de empréstimo junto ao Banco do
Brasil para cobrir o que faltava. Assim as parcelas seriam amortizadas com a própria
produção dos animais se tudo corresse conforme o esperado. O prazo nesse caso
era mais longo. Trazia o talonário de cheques e pediu ao afilhado para
preencher a folha para pagar a entrada. O restante seria pago em questão de
vinte a trinta dias quando o empréstimo fosse liberado. Faria uma ordem de
pagamento, não sendo necessário voltar ali pra isso. Aguardariam o dia seguinte
para providenciar o embarque dos animais e depois voltariam para casa. O senhor
José os convidou a passarem a noite na fazenda o que aceitaram com prazer. Era bom
conhecer outras propriedades. Saber as dificuldades próprias da região, os
problemas enfrentados.
No dia seguinte esperaram na cidade os anmais chegarem
à mangueira existente ao lado da estação ferroviária. Era comum animais serem
embarcados para transporte nos dois sentidos. Eram levados para Santa Maria,
para o frigorífico e outras localidades. Em questão de meia hora os trâmites do
embarque estavam resolvidos. O comboio deveria encostar na estação em pouco
mais de uma hora, se estivesse no horário. Seriam embarcados naquela tarde
mesmo. Talvez no começo da noite estariam em São Borja, na estação de cargas.
Dali uma caminhada de duas horas era suficiente para leva-las à fazenda.
O trem parou pontualmente e os vagões de carga foram
engatados rapidamente. Os animais foram tangidos por uma rampa e em menos de
meia hora estavam embarcados nos vagões que foram fechados. Havia a abertura
adequada para a boa ventilação, sem causar problemas aos animais. Com Gaudêncio
ao volante os dois voltaram para casa. Foram providenciar uma equipe de peões
para trazer as novilhas depois da descarga. Mandaram três que ficariam
esperando a chegada do trem. Ao amanhecer iniciariam a caminhada. Quanto mais
cedo melhor, devido ao forte calor. Os animais caminhando nessas condições
ficam submetidos a um nível se stress capaz de provocar o aborto em alguns
casos.
Os tres empregados, sob o comando do mais idoso,
partiram equipados para esperar na estação de cargas, levando consigo os
apetrechos para fazerem comida, tomar um mate. O inseparável poncho para se
proteger do frio da madrugada e de uma chuva occasional. O comboio chegou um
pouco atrasado, encostando para descarregar já depois da meia noite.
Os animais foram deixados para descansar até as 5h e
depois foram levados para a estrada. Chegariam pouco depois do sol nascer,
mesmo num passo bem moderado. Assim não sofreriam com essa caminhada. A ordenha
da manhã estava terminando quando apontou o lote de animais, com seus tres
acompanhantes. Uma porção de gente acorreu para ver e quem estava em seu posto
de trabalho levantou a cabeça para ver de relance. Para começar, foram
colocadas num cercado menor próximo do mangueirão.Maria Conceição veio olhar
e aprovou os animais escolhidos. Todos eles, uns mais outros menos,
apresentavam as características próprias de vaca leiteira.
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