segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Mineiro sovina! - Capítulo XII


Vista da cidade de Sete Lagoas.
Rio que corta a cidade de Sete Lagoas.


Ação de litígio é julgada.

Na hora estipulada todos os envolvidos na questão, o proponete da ação, o acionado, as testemunhas, os respectivos advogados e algumas pessoas assistentes estavam diante da mesa do Juiz. De um lado estavam Dr. José Silvério, coronel Onofre e quatro testemunhas, sendo dois empregados e dois vizinhos próximos. Eles haviam estado presentes anos antes na ocasião da demarcação que Onofre tinha registrado no cartório junto à documentação de propriedade das terras. Do outro lado Dr. Estevão, Jerônimo e três de seus empregados, além de um outro indivíduo que ninguém ali conhecia. Era o tal agrimensor que fizera a nova demarcação, sem que o coronel tivesse tomado ciência.
O Juiz se dirigiu aos presentes em geral, pronunciando as palavras de abertura da sessão, identificando o assunto em discussão, bem como os envolvidos. Em continuidade passou a palavra ao advogado da acusação, dizendo:
- Doutor José Silvério, há alguma proposta de conciliação de parte de seu constituinte?
- Meu cliente procurou entendimentos anteriores com o citado, mas foi recebido com grosserias e ameaças. Por isso procurou as vias judiciais. No entanto estamos abertos a ouvir qualquer proposta que seja apresentada pelo colega advogado do senhor Jerônimo.
- Doutor Estevão, seu cliente quer fazer alguma proposta de conciliação?
- Vou trocar algumas palavras com meu cliente e já respondo sua pergunta, meritíssimo.
Ficaram alguns instantes falando em voz baixa, mostrando-se Jerônimo bastante agitado. Por fim o advogado dirigiu-se ao Juiz dizendo:
- Meritíssimo, meu cliente não se considera culpado de nenhuma violação do direito de propriedade do seu vizinho e não quer propor nada em termos de conciliação.
- Diante disso, vamos seguir com a audiência. Doutor José, pode apresentar suas testemunhas.
- Vou começar com o senhor Gregório da Silva, vizinho e testemunha de uma demarcação feita em comum acordo entre meu cliente e o pai do senhor Jerônimo.
O citado sentou-se na cadeira das testemunhas e José Silvério continuous:
- Senhor Gregório, o senhor esteve presente quando o coronel Onofre e seu vizinho Juvêncio fizeram a demarcação de suas terras, ficando a divisa claramente estabelecida?
- Sim senhor. Eles se davam bem e fizeram a demarcação para não haver problemas. Os dois trabalham com ramos diferentes. Plantação de café e criação de gado. Não dá para misturar.
- Consegue lembrar quando foi isso?
- Sei ao certo não. Mas foi dantes da revolução de março de 1964. Pouco despois da nauguração de Brasília.
- Sabe se os dois receberam um mapa com a indicação das divisas claramente?
- Isso foi alguns dias despois. O grimensor vorto trazendo um mapa igual pra cada um deles. Cunferiram tudo e eram guarzinho os dois.
- Saberia dizer se esse documento é aquele que viu? – mostrou o papel amarelado pelo tempo, depois de descobrá-lo com cuidado. O senhorr Gregório olhou detidamente e falou:
- É esse sim. Penasmente está um pouco marelado agora. Mas não tenho duvida. É esse mesmo.
- Meritíssimo eu não tenho mais perguntas.
- Doutor Estevão, a testemunha é sua.
- Eu não tenho perguntas.
- Pode chamar outra testemunha.
- Vou chamar o senhor Augusto Ferreira, também testemunha da demarcação.
O nominado sentou-se na cadeira indicada e José Silvério falou:
- Senhor Augusto, o senhor ouviu as perguntas que eu fiz ao seu amigo Gregório e as respostas que ele deu.
- Sim senhor.
- Confirma que esteve presente no mesmo dia e viu o que ele viu?
- Confirmo. Lembro inté como estava o tempo. Era uma seca meia braba e fazia muito calor. Mas estava presente e tudo qui cumpadre Gregório falo é verdade.
- Reconhece o mapa que os dois vizinhos receberam do agrimensor?
- Si reconheço? Mas craro. É esse memo que sinhor tem aí na mesa.
- Obrigado senhor Augusto. Eu não tenho mais perguntas.
- A testemunha é sua doutor Estevão.
- Sem perguntas.
- Pode chamar outra testemunha.
- O senhor Paulo Francisco Alves, empregado do senhor Onofre.
Paulo sentou-se na cadeira e olhou para os lados levemente assustado. Aquele ambiente não condizia com o que era habitual em sua vida. Ouviu o advogado falando e presto atenção:
- Fique calmo Paulo. Só lhe vou perguntar umas poucas coisas. Deve responder só o que eu perguntar.
- Sim sinho! To ouvindo.
- Pode nos contar como foi que descobriram a cerca deslocada e os pés de café cortados naquele ponto da divisa, perto da nascente de água?
- Fais coisa di quatro cinco mes noi stava vistoriano o cafezal pra quelas bandas. Quando chegamo na divisa, eu mais Osvardo Faria, quando vimo aquele monte de pé de café cortado e montoado. Mais adiante vimo a cerca mudada de lugar, um buraco cavado em torno da nascente pra mode o gado beber ali. Estava tudo pisoteado.
- A cerca foi mudada só no lugar da nascente ou a mudança foi maior?
- Mudaro de uns 200 m antes, até outro tanto despois da nascente. Parece inté que fico quase reto. Apenas oiando de longe si pode ver a curva.
- Saberia apontar no mapa o lugar onde isso aconteceu.
- Posso tentar.
José levou até ele o mapa e permitiu que o olhasse atentamente.
- Eu num intendedo dereito esses mapa, mas deve de ser nesse ponto. Começando mais dantes até ali acima. – falou e apontou com o dedo.
- E o que vocês fizeram?
- Nois oiamo dereito e fomo logo contar pra coronel Onofre. Dispois acompanhamo ele até la pra mode ver o acontecido.
- Pela aparência, era coisa recente, ou fazia mais tempo?
- Era coisa de pocos dias dantes. As foia dos cafeeiros ainda num tinha caido.
- Vocês deixaram como estava ou fizeram alguma mudança?
- Coronel mando deixar ansim cumo tava. Num mexemo im nada não.
- Obrigado Paulo. Era só isso.
- Dr. Estevão, quer inquirir a testemunha?
- Uma pergunta, Paulo. Não foram vocês que cortaram a cerca e os cafeeiros a mando do coronel, só para processor o senhor Jerônimo?
- Coronel Onofre é home dereito, doutor. Nunca que ia de mandá faze uma coisa dessa. Te esconjuro, home.
- Não tenho mais perguntas.
- Doutor José, pode chamar outra testemunha.
- Só mais o senhor Osavaldo Farias.
Osvaldo sentou-se na cadeira e sabia que não tinha nada a temer. Olhou firme para frente, esperando as perguntas do advogado.
- Pode nos contar o que viu junto com seu companheiro de trabalho naquele dia na divisa das duas propriedades.
- Tudinho que Paulo Francisco falo é a pura verdade. Eu só quero acrescentá que vi, assim meio de revesgueio, alguém iscondido detrais de umas pedra que tem no pasto do seu Jerônimo. Parecia espreitar o qui noi stava fazendo.
- E essa pessoa fez alguma coisa, se movimentou, falou que o senhor se lembre?
- Só fico bem iscundido. Deve di tê ido contá pro patrão despois qui nois viemo embora. Inquanto nóis tava ali, num si mexeu não.
- E a distância que a cerca foi mudada é em sua opinião o tanto que Gregório disse, é maior ou menor?
- Nóis num medimo, mais deve de ser mai o meno isso qui Gregório disse. No totar uns quatrocentos metro.
Levou até ele o mapa e logo o dedo indicou o ponto em que a violação fora cometida.
- Obrigado Osvaldo. Não tenho mais perguntas.
- Eu também não tenho perguntas, - falou Estevão.
- Doutor Estevão, queira chamar as testemunhas de defesa.
O advogado de defesa levantou, endireitou os óculos sobre o nariz, percorreu com o olhar todos os presentes e falou:
- Vou chamar para depor o senhor Ambrósio Pereira.
O chamado era o mais jovem entre as testemunhas e estava visivelmente perturbado. Sentou-se na cadeira e esperou que lhe perguntasse, dando sinais claros de que, se descuidassem sairia correndo dali, sem olhar para trás.
- Fica tranquilo Ambrósio. Ningém aqui vai lhe fazer mal. Aqui é uma sala onde se administra justiça. Não tenha nenhum medo.
Esperou alguns instantes que as suas palavras fizessem efeito e ao ver que o jovem se sentia mais seguro falou:
- Quanto tempo você está trabalhando para o senhor Jerônimo?
- Eu nasci na fazenda e desde pequeno trabalho lá. Nunca saí de la inté hoje.
- Então conhece aquele terreno como a palma da mão?
- Conheço sim.
- Lembra dessa demarcação que o coronel Onofre está usando para acusar seu patrão de violar a demarcação da divisa?
- Eu devia de ser bem criança. Lembro que meu pai falou disso mas num estive junto durante o serviço.
- Durante esses anos todos, ouviu alguma vez ser falado a respeito de a divisa estar errada?
- Patrão fais anos fala que divisa ali tá errada.
- Esteve junto quando o seu Firmino, aqui presente, fez a nova demarcação, colocando a cerca onde está agora?
- Estive sim sinhor. Ajudei no serviço.
- Ajudou a mudar a cerca?
- Patrão mandou nois mudar a cerca dispois qui empregados di coronel Onofre cortaro os arame, deixando o gado entrar no cafezal.
- Não tenho mais perguntas.
- Doutor José Silvério, a testemunha está à sua disposição.
- Ambrósio, pode me dizer por quê o gado não andou mais longe, causando estrado em outros lugares, só ali naquele ponto perto da nascente?
- Isso eu num sei dizê doutô.
- Vocês estavam vendo eles cortar os arames e foram logo tocar o gado de volta.
- Num sinhô. Nóis vimo isso só dia seguinte. Tinha mais que vinte cabeça do outro lado da cerca.
- E vinte e poucas cabeças de gado, estragaram só o café que estava na parte que seria atingida pela mudança da cerca? Não acha isso um pouco dificil de acreditar?
- Sei dizer não senhor.
- Não tenho mais perguntas.
O juiz determinava ao escrivão algumas anotações específicas, em decorrência das palavras da testemunha.
- Pode chamar outra testemunha.
O doutor Estevão chamou um a um os outros dois e suas respostas ficaram no mesmo nível do prmeiro. Em verdade não tinham muito a acrescentar. O trunfo seria o agrimensor com sua nova demarcação e o novo mapa elaborado.
Pelos depoimentos dos dois outros dois empregados de Jerônimo, José Silvério achou desnecessário fazer perguntas a eles. A última testemunha foi chamada. Era Nicodemos de Almeida Prado. Um home alto e atlético, sinal de que sua atividade transcorria em lugares frequentemente de acesso difícile, sendo necessária uma compleição física avantajada. Sentou-se na cadeira das testemunhas e aguardou. Doutor Estevão passeou o olhar sobre os presentes e falou:
- Senhor Nicodemos, pode nos apresentar suas credenciais de agrimensor?
- Estão aqui, doutor. – retirou do bolso interno do paletó uma carteira de onde retirou um documento com fotografia que o identificava como agrimensor credenciado. Junto entregou também a sua identidade.
Estevão pegou os documentos e os apresentou ao Juiz que os leu, entregou ao escrivão para copier os dados com clareza.
- Já devolve seus documentos, senhor Nicodemos.
Enquanto isso Estevão trocou algumas palavras com a testemunha. Quando o juiz falou:
- Aqui estão seus documentos. Pode guardar. Os dados foram anotados devidamente.
Estevão entregou os documentos e depois se colocou na posição de inquiridor, dizendo:
- Como foi que o senhor veio trabalhar para meu cliente, uma vez que mora bem distante?
- Fui procurado pelo senhor Jerônimo para fazer o serviço, indicado por um cliente que é amigo dele. Me falou não confiar nos demais profissionais. Não posso recusar serviço e vim fazer o trabalho.
- O senhor teve algum contato com o outro interessado, o coronel Onofre aqui presente?
- Sei que ele foi convidado a estar presente, mas não quis saber. Disse confiar na demarcação feita há mais de 15 anos atrás.
- Como foi o trabalho? Encontrou alguma coisa errada?
- Começamos localizando os marcos nas cabeceiras. Depois coloquei o Teodolito e iniciamos a determinação dos pontos de 100 em 100 metros. Na altura da nascente encontrei um desvio da cerca para o lado da propriedade do senhor Jerônimo, de modo que ela ficava do lado do coronel Onofre. O mapa que deixei e que deve estar com o senhor mostra claramente o desvio.
- O o senhor se refere a esse mapa? – disse Estevão levantando bem alto o referido documento.
- Esse mesmo, doutor.
- Vou entregar às mãos do Meritíssimo uma cópia heliográfica para integrar os autos do processo.
Levou até a mesa do magistrado o document original e sua cópia. Foi comparada a cópia com o original e dado como verdadeira. A juntada ao processo foi ordenada.
- Teria mais algo a acrescentar senhor Nicodemos?
- Eu não, doutor.
- Doutor José Silvério, alguma pergunta?
- Sim Meritíssimo. - disse e se dirigiu à testemunha que não esperava por isso. Imaginava que seu depoimento se resumiria ao que dissera. – O senhor sabe identificar detalhes em uma fotografia, senhor Nicodemos?
- Não sou especialista, mas sei sim.
- Eu estive no local, depois que o queixoso senhor Onofre me procurou e com minha camera tirei algumas chapas do local. Mandei fazer ampliações que estão aqui. Poderia olhar para elas e dizer o que nota de errado.
As fotografias mostravam a cerca vista de longe e esta apresentava claramente a existência de uma curva ao redor da nascente. Foram olhadas atentamente pela testemunha e depois ele falou:
- Estas fotos foram tiradas antes. Agora a cerca deve estar reta. Pode ver que eu tenho razão.
- E como explica a existência desses cafeeiros cortados aqui ao lado, mostrados mais detalhadamente na outra foto tirade mais de perto?
- São imagens de épocas diferentes.
- Veja na margem inferior tem a data das imagens. Mostram quando foram feitas.
- Os negativos permitem fazer cópias muito tempo depois.
- Quando o senhor fez a demarcação, havia esse buraco ao redor da nascente que se pod ever aqui nessa outra foto?
- Não, mas isso é o que falei. São de outra data.
- Vou pedir ao Meritíssimo que junte essas cópias aos autos do processo como prova. – Entregou as imagens ao juiz que as observou, depois olhou significativamente para José Silvério e um leve sorriso aflorou ao seu rosto. Mandou ao assistente juntar todas as imagens ao processo.
- Não tenho mais perguntas.
- Doutor Estevão, tem mais testemunhas?
- Tenho sim. O próprio senhor Jerônimo. Faz favor!
Jerônimo levantou e foi sentar-se na cadeira indicada:
- Como foi que o senhor se tornou proprietário da fazenda?
- Sou o herdeiro de meu pai. Tinha uma irmã, mas ela faleceu há alguns anos e não deixou filhos, nem marido.
- O senhor viveu sempre com seu pai?
- Desde criança vivo na fazenda. Aprendi a lidar com gado desde menino.
- Está lembrado da demarcação que o coronel Onofre e seu pai fizeram no começo dos anos 60?
- Lembro. Eu era um menino de 13 anos. Meu pai foi coagido pelo coronel por conta de uma dívida que ele tinha com o coronel. Por isso aceitou aquela demarcação.
- E depois o senhor decidiu colocar a divisa em ordem.
- Demorei um pouco, ocupado com outras coisas. Meu pai deixou umas dívidas que tinham que ser pagas e me preocupei com isso. Agora que está tudo quitado, decidi por esse assunto em ordem.
- Ficou surpreso com a constatação do erro na demarcação?
- Eu não fiquei surpreso, pois sabia pela boca de meu pai que ali havia erro, mas ele aceitou para não ter que pagar na hora a dívida. Inclusive o resto eu paguei depois da morte dele.
- Tem os recibos desses pagamentos?
- Estão aqui. – Tirou de uma pequena bolsa um maço de papéis e separou os recibos relativos à quitação da dívida.
- Vou mostrare esses documentos ao Meritíssimo. Pena que não fizemos cópias deles.
- Se for preciso pode deixare eles no processo.
- Mas eles são documentos seus. Não podem ficar no processo.
- Doutor, me entregue os documentos. Vou pedir ao meirinho para leva-los para tirar cópias. Resolvemos isso já.
Os recibos foram levados para providenciar as cópias pedidas.
- O senhor procurou o coronel para fazerem a nova demarcação?
- Mandei recado mas ele não fez caso. Disse que não carecia de fazer nova demarcação.
- Quem foi levar o recado?
- Foi o Ambrósio, doutor.
- Não tenho mais perguntas.
- Eu também não tenho perguntas.
- Os dois advogados queremo chamar mais alguém?
- Eu vou pedir para que o Ambrósio volta para a cadeira das testemunhas, - falou José Silvério.
Com a autorização do juiz o indicado voltou a sentar na cadeira que lhe causava arrepios. Estava mais apavorado agora do que da primeira vez. Teria que mentir e isso o deixava nervoso demais. Sentou-se e esperou:
- Ambrósio, você levou o recado ao coronel Onofre?
- Levei sim sinhô.
- Lembra que hora foi isso?
- Num lembro dereito. Acho que foi perto de meio dia.
- O que aconteceu na fazenda do coronel?
- Ele mandou os capanga me botar para correr. Disse que não carecia de fazer outra demarcação. Que a diferença era tudo mentira de coronel Onofre.
- Você foi à pé ou à cavalo?
Ambrósio ficou pensativo, parecendo em dúvida sobre o que seria mais conveniente dizer. Sua hesitação deixou evidente que não estava dizendo toda a verdade, ou até mesmo era tudo mentira o que dissera.
- Acho que foi à cavalo, doutô.
d- Não é um pouco esquisito esquecer algo que aconteceu há bem pouco tempo?
- Meritíssimo, o advogado do queixoso está induzindo as respostas de minha testemunha. Ele não está em julgamento.
- Protesto aceito. Retire essas palavras dos autos.
- Não tenho mais perguntas.
- Eu também não, meritíssimo, - falou Estevão.
- Mais algum depoimento para completar a audiência?
Nesse momento coronel Onofre falou ao seu advogado que queria depor.
- Meritíssimo, meu cliente quer contar sua versão dos fatos.
- Pode chamar seu cliente, doutor José.
Sentado na cadeira das testemunhas, Onofre pigarreou preparando-se para falar:
- Coronel, conte-nos o que de fato aconteceu.
Em rápidas palavras o queixoso relatou sua longa relação amistosa com a família de Jerônimo, apenas depois de sua morte, quando o filho deixare a vida de andarilho em companhia de alguns elementos de maus bofes, começaram os problemas. Depois que havia quitado a última parcela da dívida que o pai tinha com ele, coronel Onofre, nunca mais haviam trocado palavra pacífica. Não tinha entendido de início, vindo a perceber tudo recentemente quando vira a mudança da cerca e o estragon no seu cafezal. Pedia a José Silvério para apresentar as cópias do cartório onde tudo estava registrado.
O advogado pegou as citadas cópias e levou até as mãos do juiz. Houve alguns minutos de demora enquanto os documentos eram examinados, lidos, registrados nos autos e anexados ao processo. Doutor Estevão pediu vistas dos documentos e foi nitida sua mudança de atitude. Parecia ter recebido uma ducha de água gelada. Ali estava claramente demonstrada a culpabilidade do seu cliente. Ele subornara o agrimensor que poderia ser inclusive responsabilizado criminalmente pela fraude. Isso era outro assunto, mas o seu cliente estaria inapelavelmente complicado. Ainda mais depois das confissões dos bandidos que cometeram o atentado à seu mando. Teria trabalho em livrar a cara dele de ser peso imediatamente e processado por ser o mandante de uma tentative de homicídio. Via dificuldades pela frente.
- Senhores advogados, querem por acaso seus clientes pensar um momento para saber se não convém fazerem um acordo e encerrar a ação?
- Meu cliente não quer ouvir falar de acordo, - falou doutor Estevão. Estava furioso com Jerônimo, mas nada havia a fazer.
- Meu cliente aceitaria um acordo mediante o retorno da cerca à posição correta e uma indenização menor pelos prejuizos. Poderiamos até pensar na retirada da queixa pelo atentado de que o coronel Onofre foi vítima recentemente. – falou José Silvério.
Ouvindo isso Estevão sentiu renascer as esperanças, mas o cliente estava irredutível, fazendo gestos negativos. Confiava em seus homens e iria dali para sua casa. O coronel lhe pagaria cara essa derrota. Não encontrando respaldo para suas argumentações em favor de um acordo, não restou alternativa ao doutor Estevão e aceitou a situação.
Depois de ter ouvido todos os testemunhos, visto as provas documentais apresentadas pelas partes, diante da negativa da parte acusada de fazer um acordo, o juiz demorou alguns momentos confabulando com o assistente. Determinou ao escrivão a redação da sentença, o que foi feito rapidamente. A máquina de datilografia matraqueava violentamente, enquanto as palavras ditadas em voz baixa pelo magistrado iam sendo registradas no papel. Terminada a redação, feita em três vias, sendo a primeira para ficar anexa ao processo e as outras duas seriam entregues aos querelantes. Assinadas as vias o juiz determinou ao seu assistente a leitura da sentença que dizia, depois de uma introdução identificando os envolvidos, resumindo a queixa:
- Diante de tudo isso, eu, Dr. Osmar Dias Ferreira, Juiz desta comarca condeno o Sr. Jerônimo da Luz a pagar, a título de indenização por danos causados à propriedade de Onofre Pires, a quantia de Cem mil Cruzeiros. Igualmente deverá, às suas custas exclusivas, contratar um agrimensor credenciado para fazer o levantamento dos limites das duas propriedades. Em se constatando o deslocamento dos limites de seu local original, deverá recolocar a cerca na posição devida, deixando um metro de espaço entre a mesma e a divisa. Outrossim, as custas judiciais deverão ser custeadas pelo Sr. Jerônimo. Ambas as partes tem o direito de recorrer desta sentença no prazo máximo estipulado em lei. A sessão está encerrada.

            Quando chegaram a um local afastado convenientemente do gabinete judicial, sentaram-se para conversar. O Cel. Onofre não cabia em si de contentamento. Disse entusiasmado:
            - Quero ver o Jerônimo recorrer. Ele que se meta a besta. A única coisa que vai conseguir é aumentar o tamanho da despesa. O advogado dele deveria aconselhar a ele de não entrar com o recurso.
            - Acho que ele está sujeito a sair do forum direto para a cadeia. Depois de tudo que fez, não duvido um muito. Teremos que esperar para ver o que eles irão fazer. Só podemos tomar qualquer iniciativa depois que eles derem o primeiro passo. Por ora nosso objetivo foi alcançado, - disse o Dr. José Silvério.


 



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