Prisão do mandante.
Terminada a audiência e
proferida a sentença, doutor Estevão preparava seus papéis e bloco de anotações
para se retirar, junto com o cliente. O favorecido com a sentença, seu advogado
e testemunhas haviam saido. Nesse momento três policiais militares, sob o
comando de um sargento se postaram nas proximidades, em posição de quem aguarda
uma ordem da autoridade. O juiz Dr. Osmar, olhou fixamente para Jerônimo e sua
voz foi ouvida:
- Senhor Jerônimo, seus
problemas apenas começaram. O senhor está preso sob a acusação de ser o
mandante do atentado ocorrido contra a pessoa de seu vizinho Senhor Onofre
Pires.
- Eu não tenho nada a
ver com isso, doutor.
- Os executores do
atentado confessaram e ambos disseram que quem os contratara era o senhor. O
seu advogado poderá procurar os seus direitos, mas nesse momento o senhor irá
daqui para a cadeia. Sargento, pode prender o acusado.
Os policiais se
aproximaram para cumprir a ordem do magistrado. Nesse momento o advogado se
interpôs e dirigindo-se ao juiz falou:
- Permite uma palavra,
meritíssimo?
- Depois no meu
gabinete. Agora seu cliente irá para a detenção.
- Meu cliente se
compromete a comparecer para depoimento e não se ausentar enquanto o inquérito
não estiver concluido.
- Ele fugiu e se
escondeu por mais de uma semana. Tentamos exaustivamente encontrá-lo sem
resultado. Poderia ter se apresentado antes e poderia ter obtido o benefício
legal. Por ora ele é considerado fugitivo e não há como atender ao seu pedido.
Estevão voltou-se para
Jerônimo e falou a ele:
- Acompanhe os
policiais e não crie problema para não agravar a situação. Vou ver o que consigo
fazer para tirá-lo da cadeia.
- Eu sou inocente,
doutor.
- Não teime e faça o
que eu disse. Se tentar resistir, vai apenas piorar as coisas.
Diante da situação
Jerônimo estendeu as mãos e permitiu ser algemado. Naquele momento seu íntimo
fervia de ódio. Sair escoltado e algemado do forum, não estivera em seus
planos. Seus homens poderiam reagir e isso o preocupava. Pediu:
- Doutor Estevão! Por
favor avise meus homens que estão lá fora para ficarem quietos e voltar para
casa.
- Faço isso aos air.
Vou na frente.
Os policiais esperaram
um pouco dando tempo a que o doutor Estevão chegasse a área exterior e desse o
recado aos homens do fazendeiro. Era uma medida preventiva. Não tinham nenhuma
chance de enfrentar uma porção de peões armados e dispostos a defender o chefe.
Poderia resultar uma carnificina. O resultado seria altamente imprevisível. As
pessoas residentes e em trânsito pelo lugar não deveriam ser expostas à nenhum
risco.
Ao julgarem que o
recado for a dado e o risco era mínimo, iniciaram o deslocamento até o
exterior, no patio do forum, embarcando numa viatura. Dali sairam sem demora
rumo a delegacia, onde eram esperados por uma equipe de interrogatório a quem
entregariam o detido.
- Viu lá, coronel?
Estão levando o seu vizinho para a delegacia.
- Naquele jipe? Esse
juiz é porreta!
- Ele não é sopa. Tem a
mão pesada, quando se trata de punir transgressors da lei.
- Preciso lhe dar os
parabéns, doutor. O senhor foi brilhante. Não deu chance ao advogado dele. Ele
pensou que tinha um trunfo com aquele mapa falso, mas se deu mal. Vi a cara do
juiz quando olhou para os dois papéis.
- Montamos um processo
perfeito e não havia como perder a questão.
- O senhor acaba de
merecer cada centavo que vou lhe pagar pelo serviço. Será meu advogado de hoje
para frente.
- Obrigado, coronel.
Vamos para o escritório. Depois tenho algumas providências a tomar para amanhã.
Onofre chamou o
empregado mais categorizado informando que acompanharia o doutor José Silvério
e deveriam segui-los de longe. Em pouco tempo voltariam para a fazenda.
Já no gabinete de José,
sentaram-se e Onofre puxou do bolso o talão de cheques.
- Pode falar quanto lhe
devo, doutor.
José tinha na gaveta
uma anotação das custas, discriminando cada parte. Despesas com material,
taxas, distribuidor público e demais gastos, acrescido dos honorários
considerados justos para o caso. Estendeu o papel ao cliente que o pegou para
ler. Estava ali discriminado tudo que teria que pagar. Franziu o cenho e depois
se pos a preencher um cheque, assinou, destacou do talonário. Estendeu ao
advogado que o recebeu e olhou de volta inquisitivo. O valor constante no
documento era maior que o total das despesas.
- A diferença é uma
gratificação especial para seu trabalho muito bem feito.
- Eu já cobrei o que
era justo, coronel. Isso não é certo.
- Quer que eu faça dois
cheques, separando a gratificação?
- Não é isso. É que não
acho certo receber mais do que é a conta.
- Considere um
presente. O Jerônimo vai ter mesmo que me pagar esse gasto.
- Digamos que isso seja
um adiantamento pelo próximo serviço, coronel.
- Estamos certos então.
Vou andando para chegar em casa de dia claro. Não gosto de andar por aí de
noite.
- Leve lembranças a
dona Lourdes e a senhorita Isabel.
- Pode deixare que me
encarrego disso. Elas vão ficar satisfeitas com o resultado da audiência. A
Isabel anda entusiasmada com a exposição. Já tiraram um monte de retrato,
fizeram um álbum complete para divulgação.
- A exposição tem tudo
para fazer sucesso. O próximo passo vai ser levar tudo isso para a capital.
Depois quem sabe, São Paulo, Europa, Estados Unidos.
- Vamos devagar,
doutor. Não ponha minhoca demais na cabeça de minha filha.
- Não é minhoca. É a
verdade. O senhor vai ver. Vai ter uma filha sendo projetada no mundo da
pintura. E não falta muito. No mês que vem e pronto. Passa rápido.
- Passar bem, doutor.
Vou indo.
- Se cuide, coronel. O
senhor foi ferido há poucos dias.
- Pode deixare que a
minha Lourdes cuida disso como se eu fosse uma criança.
- Ela tem razão em
cuidar bem. Sabe o valor que o senhor tem.
O coronel foi encontrar
seus homens do lado de fora. Em segundos todos embarcaram nos veículos e foram
embora. Iam atentos a qualquer coisa diferente que fosse vista nos lugares que
poderiam servir de tocaia. O coronel escapara barato da primeira vez. Numa
segunda tentative poderia não ser tão bem sucedido. Tinham por ele muita
consideração e estima. Mas a viagem transcorreu sem maiores novidades.
José Silvério foi até o
gabinete do director da empresa de advocacia e foi cumprimentado pela bela
vitória no tribunal. Tinha sido arrasador na montage e preparação do processo.
Não diexara nada escapar, fechara todas as saidas e o resultado estava ali. O
cheque foi entregue e a diferença de valor explicada. O chefe concordou em que
essa diferença lhe cabia por seu desempenho. Fariam a separação do percentual
que cabia à empresa, sendo o restante creditado nos haveres de José. Trocaram
algumas informações sobre processos em dandamento e José voltou a sua sala.
Ainda tinha trabalho por fazer.
Para sua sorte a
audiência não se estendera além do normal e podia perfeitamente concluir seu
trabalho pendente até o momento de voltar para casa. Não teria necessidade de
fazer serão, ou levar processos para casa. Queria comemorar com a família
aquela vitória. Havia atuado em diversos processos naqueles últimos meses e em
sua maioria obtivera êxito no que se tinha proposta. Apenas em dois casos os
clientes haviam ocultado informações importantes e isso causara uma sentença
desfavorável. Se houvessem sido francos, ele teria como encontrar uma forma de
amenizar o dano, mas a ocultação apenas fizera ele perder a causa.
Mesmo sendo sua
remuneração básca garantida por contrato, era frustrante receber uma sentença
contrária do esperado. Fazendo um balanço até aquele dia, tivera muito mais
êxitos do que fracassos. Até mesmo esses não eram consequência de sua
inaptidão, mas de falta de sinceridade dos clientes no relatar os fatos em
discussão.
Encontrou os pais em
casa e os convidou para irem a um restaurante jantar. Queria oferecer uma
refeição diferente aos familiares depois da vitória daquele dia. Foi
cumprrimentado e em pouco tempo estavam a caminho de uma casa típica que servia
comida ao puro estilo mineiro. Comeram e beberam vinho até sentirem uma leve
tontura. No retorno para casa, José foi especialmente cauteloso no dirigir.
Sabia que a bebida inibe os reflexos e não queria terminar o dia com um
acidente. Percorreu a distância até a casa com redobrada precaução. Chegaram
sem contratempos e foram dormir.
No dia seguinte todo o
escritório estava ciente da fragorosa vitória de José na questão do litígio de
divisas entre os fazendeiros. Cada um dos colegas fez questão de vir até ele
cumprimentar pelo feito. Estava alcançando uma notoriedade considerável em um
curto espaço de tempo. Habitualmente os novos membros da equipe alvançavam
resultados mais expressivos após um ou dois anos de prática. Estavam diante de
um craque do direito. Os donos do escritório conversaram e decidiram indicar
seu nome para atuar em causas consideradas complexas. Haveria sempre a
possibilidade de um resultado, se não de vitória, mas de minimização de
prejuizo, tendo alguém de maior habilidade na linha de frente do processo.
Enquanto isso doutor
Estevão quebrava a cabeça, lendo e relendo sentenças e mandados judiciais
antigos para vislumbrar uma brecha que permitiria tirar Jerônimo da prisão.
Sabia que dependia de sua soltura a obtenção de seus honorários e também
deveria providenciar o recurso ou então tentar um acordo, ulterior à audiência
e pagar as custas do processo de ambos os lados. Com ele na prisão, não havia
como receber. Não lhe seria permitido ir ao banco sacar dinheiro, nem teria nas
mãos talonário de cheques para fazer o pagamento.
Depois de muito
estudar, ler todos os processos que dispunha ao alcance das mãos, uma luz
brilhou no seu cérebro. Proporia ao juiz a realização de um depósito em
dinheiro como garantia de que o cliente não se furtaria às sessões de audiência
e nem se ausentaria da região. Ligou ao Dr. Osmar e agendou um encontro para
conversarem. Um pouco a contragosto o magistrado acedeu ao seu pedido e ele foi
para lá esperançoso. Falara com Jerônimo sobre sua ideia este não gostara muito
da coisa, mas concordara, pois não tinha vocação para passarinho. Não suportava
gaiola.
Com os trunfos na mão,
Estevão foi até o forum onde iria se encontrar com o juiz ao final do
expediente. Esperou um pouco e depois foi levado à presença do homem. Foi
prudente na exposição do assunto e tentou ser persuasivo ao máximo. Com calma
explicou que o cliente tinha necessidade de ter o mínimo de liberdade para
poder administrar sua propriedade. Caso contrário não teria como sequer arcar
com as custas do processo, pagar a indenização determinada. Tampouco teria como
se defender da nova acusação. No final saiu de lá com um mandado de soltura,
assinado por Dr. Osmar, mas deixava um documento assinado responsabilizando-se
pelo preso, bem como pelo depósito do valor combinado em nome da justiça, como
garantia, além da fiança que for a fixada.
Chegou na delegacia com
os documentos e em alguns minutos saia dali com Jerônimo. Embarcaram no
automóvel do advogado e foram para a fazenda. No caminho Estevão repetiu pela
enésima vez os compromissos assumidos e, caso Jerônimo lhe criasse problemas,
ele seria o primeiro a providenciar para que fosse preso novamente. Poderia
procurar outro advogado para prover sua defesa nesse caso de atentado. Jerônimo
escutou quieto, remoendo intimamente a raiva. Aos poucos se tranquilizou e
lembrou das palavras que seu pai costumava dizer:
- Filho, quem anda
direito, não tem o que temer. Já quem faz o mal aos outros, acaba fazendo isso
a si mesmo. Seja sempre honrado e direito.
Ele em seus anos de
juventude se deixara desencaminhar por más companhias e assim prosseguira até
hoje. E estava colhendo o que plantara. A imagem do pai não lhe saia da cabeça.
Pelo menos o doutor Estevão conseguira livrá-lo da cadeia e poderia por os
pensamentos em ordem depois de dormir direito naquela noite, coisa que não
conseguira na cama desconfortável da cadeia. Chegaram na propriedade por volta
de nove horas da noite e os peões vieram saber das novidades. Estevão estranhou
a calma e serenidade de Jerônimo ao falar com o capataz. Parecia mudado e ficou
de sobreaviso. Estaria ele articulando alguma artimanha?
Entraram e a cozinheira
que estivera igual barata tonta na ausência do patrão, se apressou em
providenciar alguma coisa para os dois comererm. Estevão não recusou pois
estava há horas sem por nada no estômago. Comeram e depois sentaram para
conversar mais um pouco. Tudo foi repassado novamente e Jerônimo entregou a
Estevão um cheque para cobrir as despesas iniciais e falou:
- Estive pensando na
vinda para cá e lembrei de meu pai. Eu parecia ver o rosto dele me falando para
andar direito, não fazer mal aos outros e eu não quis ouvir. Hoje estou pagando
o preço.
- E isso significa o
que, Jerônimo?
- Vou me esforçar para
mudar. Primeiro preciso entrar num acordo com o coronel Onofre para acertar
essa questão da indenização. O juiz pegou pesado, mas se a gente negociar
talvez possa redizir isso, num acordo por for a.
- Não sei, amigo. Mas
podemos tentar.
- Será que ele aceita
retirar a queixa do atentado?
- Duvido muito, mas não
custa nada tentar. O pior que pode acontecer ouvir um não e pronto.
- Preciso mudar, ou vou
acabar mofando na cadeia e a fazenda vai para o barro.
- Isso é verdade. Sem a
mão firme do dono não vai para frente.
- Eu quero acertar as
contas com a justiça e depois andar direito. Será que o agrimensor já foi
embora?
- Acho que sim.
- Tive medo que o juiz
mandasse prender ele também. Paguei para ele falsificar aquele mapa.
- É o que eu
desconfiava e ficou demonstrado na audiência pelos depoimentos e documentos do
coronel.
- Pensei que um
documento novo ia enganar ele. Mas não caiu na cilada. Ainda bem, pois seria
mais um peso na consciência.
- Se o juiz queria
mandar prendê-lo perdeu a chance, pois duvido que ele ainda esteja na cidade.
Deve ter saido dali voando, depois de ver a coisa preta.
- Se ele quiser algum
tipo de acerto depois me entendo com ele. Não vai poder pedir muita coisa, pois
também agiu errado. Eu paguei e ele executou o serviço.
- Por isso pensei que
ia sobrar para ele no dia, mas parece que Dr. Osmar não estava interessado em
peixe miudo.
- E ele me pescou
direitinho. Mas vamos combinar uma coisa. Procura o advogado do coronel e
propõe um acerto dessa indenização. Depois sonda sobre a retirada da queixa,
assim meio por cima para não ofender o homem.
- Amanhã cedo vou
começar por acertar as questões de dinheiro e depois dou um jeito de falar com
o doutor José Silvério. É advogado novo, mas tinhoso que só. Ganhou quase tudo
que é causa que pegou. É o caçula dos Advogados Associados, mas pelo tipo já dá
sova até em gente escolada de anos.
- Então tem que ser
mais cuidadoso ainda. Vai com calma para não espantar a caça.
- Quer dizer que é
sincera sua intenção de mudar de vida?
- Sincera. Tão sincera
como nada que eu disse antes em minha vida. Estou falando de meu futuro. De
repente me dei conta de que o futuro ia ser pior do que isso. Apenas dois dias
na cadeia foi bastante.
- Não garanto conseguir
livrar sua cara nesse outro processo. Atentado, tentativa de homicídio é coisa
grave, homem.
- Eu sei, eu sei. Mas
não tem como voltar atrás. O que está feito, está feito. Temos que encontrar um
meio de sair da melhor maneira desse atoleiro.
- Espero que o juiz
acredite na sua boa vontade. Isso será meio caminho andado. Se ele “comprar”
sua disposição, temos uma boa chance de amenizar a situação.
- Estou disposti a
conversa pessoalmente com o coronel, se for preciso. Só não sei se ele vai
aceitar se encontrar comigo. Deve estar mais ressabiado que bicho acuado.
- E com razão. Quem
levou um tiro foi ele e teve sorte de ser na perna. Se pega mais para cima, a
coisa ia complicar para ele.
- Graças a Deus. Assim
temos uma possibilidade de dar um jeito. Se o homem more, adeus. Nem sei o que
ia dar em mim. Se tivesse que ficar alguns anos na cadeira, morria muito antes
de terminar o tempo.
- Ótimo, Jerônimo. Eu
vou indo, pois tenho muito trabalho para amanhã. Pense bastante e se continuar
com as mesmas intenções mande me avisar.
- Carece não pensar
mais. Estou decidido.
- Então boa noite.
Qualquer coisa diferente mande me avisar. Não me faça nenhuma surpresa nem
bobagem.
- Pode deixar doutor.
Aprendi a lição. Não quero mais desse remédio.
- Vou ter prazer em ser
seu advogado depois dessa mudança. Com certeza as causas vão ser mais fáceis de
ganhar do que essa que perdemos.
- Essa não tinha chance
desd’um começo, acho eu.
- Olhando agora, só se
pode chegar a essa conclusão. Na forma como me foi apresentada, parecia favas
contadas.
- O errado fui eu. Fui
falso, menti, fiz coisa errada e é justo pagar por isso, por mais que doa no
bolso. Na cara também. Mas vou ter que encarar o povo e ir em frente.
O doutor Estevão
embarcou em seu carro e dirigiu aliviado pelo caminho de retorno para casa. Ainda
tinha algumas dúvidas se o cliente iria mesmo mudar de vida. A modificação
havia sido um tanto brusca e poderia ser que na manhã seguinte tivesse mudado
compeltamente de opinião. Dormiu aliviado e logo cedo estava na rua correndo
para dar conta de tudo que tinha a fazer no dia. Passou no escritório, conferiu
com a secretária a agenda do dia para não deixar passar alguma audiência que
tivesse marcada. Não podia dar-se ao luxo de perder clientes. Por sorte aquele
dia não tinha nenhum compromisso no forum.
Depois de cuidar das
questões relativas ao dinheiro, sentou-se em sua sala e procurou na lista de
telefones o número da Advogados Associados. Discou e depois de três toques do
aparelho, a secretária atendeu:
- Alô, advogados
associados, boa tarde!
- Boa tarde, senhorita.
Seria possível falar com o doutor José Silvério?
- Quem devo anunciar?
- Eu sou doutor
Estevão, ele me conhece.
- Vou ver se pode lhe
atender. Aguarde um momento.
Levantou o interfone e
apertou a tecla correspondente à sala de José e logo ouviu:
- Sim, Roberta.
- O doutor Estevão está
ao telefone e quer falar com o senhor. Posso passar a ligação?
- Pode passar.
(Que será que o
advogado do vizinho de coronel Onofre iria lhe propor?)
- Doutor Estevão?
Doutor José vai falar com o senhorr.
Transferiu a ligação e
José Silvério atendeu:
- Alô!
- Doutor José! Sou seu
oponente de outro dia. Poderíamos nos encontrar para conversar?
- Sobre o que seria?
- Meu cliente, senhor Jerônimo,
quer fazer um acordo com o coronel Onofre.
- Mas por que ele não
falou na hora da audiência?
- Ele estava muito
brabo e não pensava direito. Hoje consequi livra-lo da cadeia e ele está mais
calmo. Decidiu mudar de vida e quer um acordo par acertar todas as contas.
- Mas isso não devemos
tratar por telefone. Me procure amanhã, ao final da tarde, aqui na minha sala.
Sabe o endereço, ou não?
- Sei sim, colega. Por
volta das cinco horas?
- Isso mesmo. Vou deixar
minha agenda livre para não ter nada a incomodar.
- Obrigado, colega. Não
irá se arrepender de me receber. Me tornei seu admirador, pode ter certeza.
- Até amanhã, então,
doutor Estevão.
O telefone foi
desligado e José Silvério permaneceu alguns minutos pensativo. O que teria
feito o homem tão arrogante e autoconfiante mudar radicalmente de opinião?
Poder-se-ia confiar nessa mudança? Não caberia nem a ele decidir. O seu cliente
iria tomar essa decisão e ele apenas serviria de mediador. O que não lhe
entrava na cabeça era o fato de que o homem rejeitara qualquer possibilidade de
conciliação e agora a propunha, quando a sentença estava lavrada, aguardando
eventual recurso.
Decidiu sentar com o
superior e se aconselhar. Estava literalmene perplexo diante dos fatos. Levantaram
todas as hipóteses possíveis, analisaram todos os ângulos e mesmo assim não
puderam tirar um consenso. Teriam que palmilhar o caminho com todo cuidado possível.
O chefe, em longos anos de exercício do direito, vivenciara diversas situações,
umas até bastante difíceis de entender. Porém nunca se deparara com nada assim.
Uma mudança tão radical era um bocado difícile de engolir. Deveria existir uma
motivação forte por trás disso ou então ali havia uma grande e sutil armadilha.
O advogado não era dos mais renomados na cidade. Atuava de modo geral em causas
de menor relevância, defendendo pessoas de reputação duvidosa, ou então de menor
poder aquisitivo. A prudência recomendava cautela.
Na
hora marcada, lá estava o Dr. Estevão Camposd, disposto a dialogar com seu
colega Dr. José Silvério. Vinha a mando do cliente, objetivando uma negociação
extrajudicial. objetivava conseguir um acerto mais vantajoso na solução da
pendência criada com a sentença imposta pelo juiz.
- Boa tarde, caro colega! - cumprimentou.
- Boa tarde. Sente-se
por favor, - indicou uma poltrona confortável. – Bons ventos o tragam a esse
humilde escritório.
- Quanta modéstia. Se
isto aqui é um humilde escritório, imagino o que seria um escritório
luxuosamente instalado. Creio que não devemos mais desperdiçar nosso tempo com
rodeios. Estou aqui, trazendo uma proposta do meu cliente, dirigida ao seu
cliente em vista da solução satisfatória da pendência entre eles.
- Concordo e sou todo
ouvidos. Faça o obséquio de apresentar a proposta. Mas aviso que não será
possível um acerto aqui, sem a aquiescência do meu cliente.
- Evidente. Estou
ciente disso. Meu cliente está passando por um mau momento financeiro. A queda
no preço da arroba do boi gordo, somada com alguns insucessos com investimentos
feitos na bolsa de valores, deixaram o Sr. Jerônimo impossibilitado de fazer
frente as despesas com a indenização e demais custas. Ele propõe pagar a
indenização de forma parcelada em doze vezes. Vencendo a primeira em cento e
vinte dias. A questão dos limites poderá ser resolvida dentro de
aproximadamente seis meses.
- Está bem. Entrarei em contato com o coronel Onofre e
o informarei da resposta. Talvez possamos combinar um encontro numa das
propriedades para dirimir essas divergências. Quem sabe conseguimos reconciliar
esses vizinhos. Não faz muito sentido brigarem por questões tão pequenas. Em
situações de emergência, podem ser os primeiros a prestar auxílio, providenciar
socorro.
- Quanto a isso, não
sei se há alguma chance, mas nada custa tentar. Vou aguardar suas notícias. Já é
tarde e ainda tenho algumas coisas a fazer. Até mais ver, colega.
Estendeu a mão que foi
apertada calorosamente. Depois saiu e disse adeus à secretária. Roberta olhou
interrogativamente para José que logo depois apareceu na porta, parecia dizer:
- O que aconteceu com
ele? Chegou com cara de desconfiado e arredio. Ao sair estava que era só
sorrisos.
- Ele veio propor um
acordo do cliente dele com o meu, o coronel Onofre.
- O do atentado.
- Esse mesmo. Não sei,
mas vamos ver o que o coronel decide sobre isso.
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